segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

(Devaneio): Temos ainda Paris!



Temos ainda Paris, lembra-se?

Ou, pelo menos, no mundo ainda existe Paris! A nos esperar!


Falava que ainda iríamos lá. Garantiu-me, lembra-se?


Tínhamos quantos anos? Vinte e muitos ou trinta e poucos?


Mas a vida nos jogou de lado, pegamos turbulências, ventos de cauda, depressões tropicais. E nosso avião teve de retornar à origem. E aqui ficou.


Paris ficou para mais tarde, em um momento de rara sorte, em um dia de sol e céu de brigadeiro.


E passamos a vida e os sonhos foram se ficando, um em cada canto, dos muitos que acumulamos. Muitos armários de sonhos foram se empilhando.


Até que os tais foram devorados por traças e cupins. E suas essências sumiram, não cheiram mais. Até os rótulos findaram ilegíveis.


Mas, por certo, existia Paris, que não se findava, que não acabava, que continuava a exalar seu aroma.


E ainda acreditava, em um último suspiro, que poderíamos andar de mãos dadas pelos Jardins do Trocadéro a contemplar a Torre Eiffel e o Sena e suas pontes maravilhosas, e andar e andar.


Culpo-me por fazê-la crer, em um momento perdido do passado, que hoje estaríamos, depois de aposentados, idosos e apaixonados, tranquilamente hospedados em um pequeno apartamento com vista para tais locais.


Pode odiar-me por isso. O mereço. Tentei colocá-la em minha ilusão.


Mas de tais ilusões passei meus dias, a esperar o evento que desencadearia a minha missão por aqui, cuja existência tinha certeza desde tenra infância. Ou haveria outro motivo para minha vida nesta figura humana?


Não era assim contigo. Fielmente atrelada ao chão firme, de forma alguma segura em meu andar sobre nuvens, mesmo que a tivesse pegado pela mão.


E eu vivia a sonhar que estava nos ares, que conseguia fugir de monstros invencíveis, que somente podiam ficar em terra firme. Eu não seria capaz de derrotá-los, e nem precisava. Para que? Eu podia andar nas nuvens. Não era um voo, qual um “pavão misterioso”, era apenas um andar sobre nuvens.


E, por fim, hoje, neste momento, lembro-me de sua garantia (tinha trinta e poucos anos), de sua certeza, quase poderia assinar uma promissória diante da afirmativa: “Nós vamos lá!”


Por isso, agora, depois de décadas de esquecimento, apesar desse ocaso da vida, como se alguém nos tivesse garantido tal prêmio pela nossa resiliência, eu volto a afirmar: 


“Temos ainda Paris, lembra-se?”

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