quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

(Devaneio): E o sol ainda vai amanhecer


Maluquice. Acabo de sair de um sonho. Ou pesadelo? Decerto que sim!

Estava, aparentemente após longa batalha, deixando-te partir para um outro alguém!

E era tão sólida e sem volta essa partida, pois assumia que o outro era infinitamente melhor que eu, reunia em si a beleza e a esperança que encantaria qualquer mulher, sei lá, diria um Gianecchini ou um Cruise qualquer!

Que mulher não se encantaria com tal possibilidade e não me largaria?

Mas, era sobre isso que eu divagava em desespero, no sonho; era sobre a derrocada da certeza que tinha que eu me derramava.

Pois, havia tal mulher! Você própria. E havia a minha certeza absoluta sobre isso.

E eu lhe dizia que, tão certo que o sol aparecerá pela manhã, eu tinha certeza que você nunca deixaria de me amar. 

Era algo irreal de acontecer, como se, em plena avenida Paulista, eu fosse surpreendido por um leão e, estático e sem reação, fosse pego e devorado.

Dizia-lhe que, mesmo que eu não soubesse ou meditasse a respeito, também eu não me via sem amar-te. Confessava que, às vezes, em tênues momentos, até pensava que não,  poderia imaginar-me com outro amor ou pensar que necessitasse de outra paixão, para, enfim, cair em mim mesmo quanto a tal absurdo. 

Sim, pois, nós dois, éramos como cúmplices de um crime. Carregávamos esse fato. Ambos os dois. Só nós sabíamos dessa história. Nossa história. Ela nos unia. Seria insano pensar que um de nós poderia denunciar o outro, se ambos iriam à fogueira.

Dizia-lhe isso, não para convencê-la a ficar, pois parecia que tal decisão já havia sido tomada de forma irremediável. Era um prato já comido. Qualquer retorno não traria de volta a integridade da situação anterior. Seria apenas, um vômito.

Mas, dizia-lhe para conscientizar-me da nova realidade. Para assegurar-me e conformar-me do fato que haveria de viver nesse novo e tenebroso mundo sem você. Principalmente para impor à minha razão e consciência a irrealidade das verdades absolutas, o caos em que estamos imersos, onde tudo pode acontecer, até você deixar de querer-me.

E acordei-me com esse terror.

E a vi ao meu lado. Você não notou as lágrimas em meus olhos e nem em meu travesseiro molhado, mas fiz questão de acordar-te levemente e perguntar-te se ainda me amava.

Talvez, em outra realidade paralela, um outro e desgraçado eu estivesse sofrendo com a realidade de meu sonho.

Mas, aqui e agora, teu "sim, pra sempre" trouxe-me à vida e à certeza de encontrar-me no chão, e, principalmente, a alegria de saber que, pelo menos para mim, por mais um dia, o sol ainda amanhecerá.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

(Mini-Ensaio): Escolha pública




Tenho pensado nas motivações que me fazem escolher este ou aquele candidato em uma eleição. Tal como a recente eleição para prefeito.

Preocupa-me o avanço da ideia da abstenção ou do voto nulo ou branco como alternativa democrática. Tais alternativas somaram 31,6% do total de eleitores na cidade de São Paulo, por exemplo. Para mim, a abstenção é ainda mais preocupante, chegando a cerca de 20% .

Mas, o que me preocupa? 

Ora, estou a anos-luz de dizer que sou teórico ou estudioso no assunto, mas, se podemos dizer, em uma suposta  teoria da escolha pública (Buchanan?), que a escolha racional conjunta e unânime de um eleitorado tende a maximizar a utilização do bem/recurso público, da mesma forma que maximizaria a sua utilização se houvesse tal mercado competitivo, então, a possibilidade de abstenção e voto nulo/branco tende a diminuir essa eficiência. Porém, como essa unanimidade é utópica, então, grosso modo, podemos dizer que os 20% de eleitores de São Paulo, que se abstiveram, foram os que mais contribuíram para a inviabilização de tal eficiência.

Os eleitores que votaram em branco/nulo, muito embora estejam querendo dizer algo, como a falta de candidatos que possam confiar, também concorrem para  o não atingimento de uma pretensa otimização da utilização de bens/recursos públicos, pois não existe o candidato branco/nulo que proporá mudanças legais/constitucionais que influam no referido bem/recurso e em sua utilização. Assim, tais eleitores (que se abstém e que votam em branco/nulos) são, em última hipótese, a causa da ineficiência do sistema democrático brasileiro. E tal ineficiência flagrante e persistente é outro motivo de minha inquietação.

Sim, pois, em dado momento no futuro, após sucessivas eleições, principalmente eleições executivas regionais (governadores) e nacionais (presidentes), com patamares semelhantes de recusa de escolha (abstenção+nulos+brancos), somados a uma crise econômica, pode engendrar a alguém ou nalguéns argumentos de que a própria democracia não é algo tão necessário ao nosso ordenamento político, pois o próprio povo já não deseja decidir ou preferiria não ter que decidir. É, a partir daí, que surgiriam as teses favoráveis à ditadura.

Se, então, a questão é a impossibilidade da escolha desse ou daquele político e, já que sabemos que intuitiva e empiricamente falando, os políticos tendem a buscar interesses pessoais quando no governo, devemos então analisar sempre individualmente a nossa escolha. Simplificando, escolher por aquele que já nos deu ou pretende nos dar aquilo que diretamente utilizaremos de imediato ou no mais curto espaço de tempo. 

Ora, se não preciso de creche ou posto de saúde, porque escolher o político que ofereceu ou pretende oferecer majoritariamente esses serviços? Ou, se acho que o Metrô é um bom serviço, mas o investimento nele demorará dez anos para gerar utilidade efetiva, porque não escolher o candidato que pretende dar ênfase em corredores de ônibus, que geram utilidade em apenas um ano?

É isso, a saída talvez seja observar os políticos pelos nossos interesses pessoais e imediatos. E nunca se abster da escolha, pois, quanto mais perto da totalidade de eleitores disponíveis votarem e quanto mais perto da unanimidade essa escolha se focar, mais perto da utilidade ótima se fará do bem/recurso público, segundo a visão daquela comunidade/sociedade.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

(Texto): Sonho brasileiro


 Apenas queria fazer um breve comentário sobre a matéria da BBC Brasil, "Brasileiros relatam lado amargo do 'sonho' americano", link: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/08/120814_imigracao_eua_personagens_pu_ac.shtml.

No artigo, temos o relato de uma jovem de ascendência sul-coreana, nascida no Brasil, mas criada nos EUA. Conta que sua familia decidiu sair do Brasil e tentar a sorte nos EUA, quando ela tinha 2 anos, e todas as agruras que  passou até conseguir a desejada cidadia americana. Também cita um brasileiro que foi para os EUA, com visto de turista aos 14 anos, e tudo o que passou até o momento. 

Para ambos, a cidadania americana poderia ser confundida com o "sonho". Mas não é. O sonho, na verdade, é a realização pessoal e profissional e o reconhecimento de seu esforço mediante a sonhada ascensão social.

Tratam-se de pessoas especiais, pessoas decididas a atingir seu sonho pessoal, que não fogem ao desafio e aos obstáculos que a vida lhes impôs. Se não conseguiram plenamente atingir todo o seu potencial, certamente não foi por falta de iniciativa própria, e, com o que conseguiram, podem se intitular vencedores, com certeza.

Porém, diante do que li e da atual realidade do Brasil, eu posso dizer, sem sombra de dúvidas, é muito, mas muito mais fácil para um brasileiro atingir esse "sonho americano" aqui no Brasil. 

Porém, digo e repito, na atual realidade. Claro que, há vinte ou trinta anos atrás não se podia dizer isso. Àquela época não havia as diversas bolsas-familia da atualidade, as bolsas publicas nas faculdades particulares, a politica de quotas nas universidades públicas, os muitos concursos públicos e as muitas outras coisas que, se utilizadas por pessoas como os jovens da reportagem, facilitariam muito a sua ascenção social. E são mecanismos que não existem nos EUA.

No Brasil da atualidade, um jovem pobre ou muito pobre, mas empreendedor e entusiasmado terá a sua disposição, bastando procurar um pouco, muitos mecanismos que possibilitarão a ele entrar na faculdade e conseguir seu primeiro emprego sem exigência de experiência, apenas concorrendo a PROUNI's e inscrevendo-se (gratuitamente) em concursos públicos. Coisa que não existe nos EUA, onde você depende, além de ter uma competência fora do comum, da boa vontade de filantropos públicos ou privados.

Creio que a única coisa que obriga uma pessoa (com as qualidades dos jovens da reportagem) a sair do Brasil é a questão da violência e da corrupção. Um jovem que gosta de estudar, que gosta de vencer desafios impostos e sente-se valorizado ao conquistar metas realmente terá muitos problemas com a violência e com a corrupção que reinam por aqui, pois não poderá se inserir nesse meio, nem mesmo participar dele. 

Esse é, a meu ver, o grande problema do Brasil. Pessoas do tipo sofrem muito com tal situação, tendo que passar por inúmeras restrições pessoais para fugir da violência e não se submeter à corrupção, ambas veladamente tão aceitas em nossa cultura.

O "sonho americano", com certeza, é mais fácil ser atingido no Brasil, mas o "sonho brasileiro" ainda está longe de ser alcançado.



quarta-feira, 27 de junho de 2012

(Poema): Frente e Costas



Vi-te de novo.
De novo tão bela.
De novo à minha frente.
De novo pertinho, e eu ausente.

Eu ausente de ti.
Você presente em mim.
Pra sempre marcada em minha retina.
Levo-te à minha frente.

Não olha pra trás.
Sai sem ver.
Sem notar que me leva consigo.
Às suas costas.

Segue-te meu olhar.
Segue-te meu desejo.
Marcados em ti se vão.
Leve-me às suas costas.



sexta-feira, 8 de junho de 2012

(Devaneio): Criação



E veio-me agora um pensamento à mente, um pensamento que encheu-me de pânico e desilusão. 

Se tomarmos como verdadeira a idéia criacionista, ou seja, se, de fato, a humanidade, e tudo que conhecemos, foi criado por um ser ou uma força consciente, em um dado momento e lugar, e se tomarmos como verdadeiro o relato que nos nos foi legado como a real descrição desse evento, onde, primeiramente, foi criada a luz, depois todas as outras coisas.

E, após a criação desse universo e as suas forças e suas relações, o ser ou força criadora resolveu implantar um jardim, ou um paraíso, ou um lugar muito especial. Um local aonde seria possível estabelecer sua obra-prima, um ser que lhe fosse parecido ou assemelhado em possibilidades, ou seja, uma consciência, um saber, uma determinação própria, mas sempre em potencial, pois o havia proibido de tomar conhecimento disso, no que sabemos, não foi plenamente obedecido.

Então esse ser novo e pleno de potencialidades foi colocado no dito paraíso-jardim, local diferenciado do resto de sua criação, que lhe era bela, mas amorfa. E esse ser, era, ao mesmo tempo, poderoso em possibilidades, mas de fragilíssima compleição, pois feito de pó e água. Assim, ficaria diretamente protegido pelo ser criador e seria tratado como um rebento seu, como algo que lhe saiu, e que lhe pertencia diretamente, um pedaço dele próprio que havia sido misturado ao pó e à agua.

Assim, o ser pó-água-criador foi estabelecido no paraíso-jardim.

Então, o que me aterroriza nessa alegoria? O que deixou-me com medo? Qual conclusão, além da obviedade, pode ser tirada desse quadro, para muitos, pura poesia?

Penso que, e as observações científicas até o momento corroboram tal idéia, talvez estejamos sozinhos  nesse universo, ou seja, nessa imensidão aparente (pois, talvez não seja assim tão grande). Então, estamos no único lugar (pelo menos até o momento conhecido) onde podemos ficar de forma natural. Talvez não exista outro jardim natural em todo o universo conhecido. Então, todo e qualquer planeta ou lua que encontrarmos estará banhado por radiação mortal, ou pelo calor abrasador, ou pelo frio destruidor ou por gases e pressões mortificantes. Será um vazio de vida. Nada encontraremos a não ser pedras e gases. Somente o nosso paraíso-jardim foi criado para nos conter. 

Assim, há muitos cientistas que, sem saber, corroboram a teoria criacionista ao advogar a tese de que não há possibilidade de encontrarmos outro planeta igual ao nosso no universo.

Tal limitação é por demais desanimadora se finalmente confirmada. A Terra seria então uma penitenciária e nós não passamos, pensando na humanidade como um corpo único, de sentenciados à prisão perpétua no âmbito de sua atmosfera.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

(Devaneio): Estático


O que posso fazer para voltar a escrever? Para retomar minha ilusão, voltar àquilo que parecia tanto comigo, à qual me fundia como uma tábua de salvação?

Ou devo buscar outra, já que minha ilha de naufrago não aparece e essa tábua já não me parece mais tão segura? Ainda não vislumbro meus coqueiros ao longe, meu pedaço de terra seca. Tenho de continuar flutuando a esmo, ao sabor das ondas, sem saber o que me aguarda além do horizonte.

E no momento é isso. Deixo-me ir, já que não há outra opção, embora sinta que já tenha passado por perto do barco de minha salvação, em um dia de intenso nevoeiro. O barco que iria trazer-me de volta à civilização. Talvez tenha passado aqui por perto e, diante de sua grandesa e de minha pequenesa, nós dois tenhamos confundido um ao outro, passando-nos despercebidos. Talvez?
 
Talvez o que me falte são novos olhos, diferentes desses que carrego desde o nascimento, que me levaram até onde cheguei. Olhos de um corpo diferente, olhos que buscam outra realidade, acostumados a outro tipo de luz. De uma sensibilidade diferente, que enxergam além do reflexo da luz cotidiana nos objetos, mas que intensifique o interior, arremedo de um raio-x.
 
Quem sabe já tenha tais olhos e, por não usá-los, estão atrofiados. Como então trazer suas imagens à minha consciência, já que o que eles apresentam nem saberia descrever? Talvez nem seja para utilizar, mas apenas usufruir. Ou então, como minha consciência poderá ir a esse lugar de mim, já que o problema talvez seja a localização?

Aquilo que está muito dentro não pode saltar para fora impunemente, sob pena de descaracterização. Então eu é que deveria ir lá, para dentro de mim, como uma estrela que condensa, até que um evento catalisador abrupto a transforma em supernova, que ao despencar dentro de si própria, expulsa violentamente tudo que lhe sobeja, ficando somente com sua raiz, que a caracteriza ao fim, única coisa que pode perpetuá-la.
 
Enfim, devo voltar àquilo que sei, embora não imaginasse que soubesse, mas que, quando conhecer, perceberei de imediato e direi: "Tem razão, é isso mesmo, e eu já sabia a todo momento!"



segunda-feira, 14 de maio de 2012

(Mini-Ensaio): Só o prazer será punido?



Li uma frase do Rubem Alves, na orelha frontal de um de seus livros, que me instigou o pensamento. Não irei dizer o nome do livro por agora, pois é uma fonte tão grande de ensinamentos, que desejo (assumindo minha avareza em relação a isso) guarda-lo, por enquanto, somente para mim (como se milhares de pessoas já não o conhecessem!), mesmo porque ainda o estou lendo e me falta entende-lo e sorve-lo por completo. Quando houver sugado sua seiva, apresentarei sua carcaça que, por se autorregenerar, poderá ser sorvida novamente por muitos outros.

A frase assim dizia: “Será que Deus fica feliz quando vê os seres humanos sofrendo?”

Tal pensamento resume toda uma teologia que advogo para mim, embora, após anos de aprendizagem contrária, ainda me vejo impossibilitado de a colocar em prática, na melhor tradução do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

É isso. Ou seja, porque Deus seria feliz com o sofrimento humano? Ou, Deus necessita de nosso sofrimento? Ou, se Deus é amor, então o amor se alimenta de lágrimas e dores? Ou,...

Teria muitos questionamentos a fazer se a primeira pergunta obtivesse resposta afirmativa. São indagações que nos remete a uma imagem contraditória da divindade que sempre julgamos ser um poço de bondades. Principalmente porque nunca associaríamos dores e sofrimentos à ideia de bondade.

A pergunta inicial ocorre (como a própria orelha do livro do Rubem Alves nos diz) quando observamos que, quando desejamos ou necessitamos de algo que somente Deus nos pode conceder, sempre prometemos em troca algo que nos é difícil, caro ou penoso fazer ou conceder, atitude que nunca faríamos ou tentaríamos fazer em condições normais.

Ocorre que, em regras comerciais, uma troca somente se dá quando as partes intercambiam coisas que ambas julgam de igual intensidade de prazer ou felicidade. Então, para meu prazer e felicidade eu compro um carro e dou em troca uma quantia monetária que proporcionará um pequeno grau de prazer e felicidade em um grande número de pessoas (vendedor, dono da loja, fabricante do veículo, operários que o fabrica, etc.) o qual, se somados, equivalem ao meu prazer e felicidade ao comprar o carro. E é assim que se operam os relacionamentos humanos legítimos (excluindo-se os de dominação pela força, logicamente).

Então, se para nos conceder um favor, Deus nos exige uma dor ou perda, é justo pensar que Deus se apraz disso na mesma intensidade com que nos aprazeria receber o favor!

Os crentes e religiosos incondicionais teriam uma simples explicação para tal. Eles apenas nos dizem que não temos conhecimento dos verdadeiros desígnios de Deus, que não se apraz com nosso sofrimento, mas vê muito à frente e sabe que a nossa decisão de se abster de um prazer nos trará benefícios no futuro. Assim, sem sabermos estamos obtendo dois benefícios com uma só atitude.

Mas, porque somente nossas atitudes prazerosas poderiam gerar problemas futuros? Porque o abandono de algo que já causa desconforto não poderia ser utilizado como moeda de troca?

Por exemplo, por que não “prometo abandonar esse emprego que odeio se o Senhor me conceder a cura dessa gastrite que tanto me incomoda”, ao invés de “prometo parar de sair às noites de sexta com os amigos se o Senhor me conceder a cura dessa gastrite que tanto me incomoda”?

E quem nos fez pensar que o que nos dá prazer é profano e ruim, sempre, e somente a dor e o sofrimento nos levam para próximo da divindade?

Penso que foram pessoas com algum grau de psicose, pessoas com baixa autoestima e com significativo complexo de inferioridade, mas com grande capacidade de convencimento de massas, os quais, principalmente em momentos de carestia, conseguiram tirar seus grupos de situações de penúria ou extermínio galopante com pensamentos e atitudes austeras, frugais e proibitivas.

Como a humanidade passou por mais momentos de penúria do que de fartura, é fácil saber por que a ideia do prazer é tida como destrutiva e má, e o pensamento de austeridade é visto como edificante e pio.

E foi tal pensamento que conduziu a igreja Católica a instituir o seu rol de pecados, mesmo que Jesus afirmasse que a única coisa a que nos deveríamos obrigar seria amar ao próximo como a nós mesmos.

Esse post irá possibilitar que eu possa falar sobre esses pretensos pecados e porque os tais talvez não devessem ser considerados tão abomináveis.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

(Devaneio): Quarenta e cinco

 
Dá-me somente quarenta e cinco.
 
Minutos, horas? Um dia não te basta?

 
Talvez, quem sabe?

 
Pensas que estou brincando, que tenho tempo de esperar-te, que minha vida pode ficar suspensa até o momento que desejas?

 
Dá-me então somente esses quarenta e cinco que te peço.
 

Dias?
 
Pode ser. Em um mês e meio poderei refletir? Poderei ver se funcionam algumas teorias? Testar algumas idéias? É básico, sim é elementar que nos apoiemos no lado real. No que de fato está acontecendo por aí, ao nosso redor. Vermos como desabrocha uma flor, como são influenciadas pelo orvalho da manhã, ou como o sol de verão as pode fustigar, tanto como o gelo depositado em uma nevasca de inverno. Preciso desses dias para visualizar o que existirá quando suceder a partida do sol e as nuvens tomarem seu lugar, e depois, quando a ventania afastar o nevoeiro e, repentinamente, não encontrarmos novamente o sol para aquecer o gelo de sobre a flor. Penso...

 
Espere! Dirás que isso acontecerá em quarenta e cinco dias? Logicamente que não terás tempo para tanto desenrolar.

 
De fato, então dá-me os quarenta e cinco que te peço.

 
Ora, os terá, terás os quarenta e cinco que precisa. Anos, creio eu! Mas, com toda a certeza, não terás mais a mim ao final dessa idade.

 
Sinto dizer-te, que quarenta e cinco anos também não serão suficientes para vislumbrar com suficiente presteza a flor e seu desabrochar e o cair e o derreter do gelo de sobre os ramos. Sinto que também não poderei contemplar o levantar e o cair de nuvens e o findar da luz por sobre elas.

 
Então, estás dizendo-me que perco meu tempo, pois, se esse teu quarenta e cinco não se resume a anos, então está além de minha compreensão.

 
Não estás perdendo o teu tempo e compreenderás perfeitamente. Já me foi dado quarenta e cinco, deram-me em anos, mas preciso de mais, e também em outras grandezas, não somente em tempo, mas em experiências, em vidas, em conquistas, em vitórias, enfim em coisas que nutram a felicidade, mais que o tempo. Já me deste também um espaço de tua vida, mas então te peço mais. Dá-me quarenta e cinco, então. E vamos transformá-los em uma eternidade. Não podemos ficar juntos pelos próximos quarenta e cinco, sejam minutos, horas, dias, séculos, vidas, experiências, conquistas? Podemos marcar de nos encontrar aqui, sempre, e tu podes estar em meu lugar me pedindo por cinco, por vinte, por trinta e cinco ou por oitenta. Os quarenta e cinco que ganho de ti hoje te servirá de caução e poderá obtê-lo de volta sempre que quiser, desde que me inclua também. E te garanto que tendes muito mais aqui comigo, de forma que quarenta e cinco eras não serão suficientes para os gastarmos.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

(Mini-Crônica): Leite Derramado, de Chico Buarque de Holanda



Não foi o último livro que li. Depois dele ainda veio "O lobo da estepe" e "Sonhos de uma flauta e outros contos", ambos do Hermann Hesse, e estou lendo um do Carlos Heitor Cony, "A tarde de sua ausência".
 
Então não foi o último, mas poderia dizer que foi o último melhor. Estou falando de "Leite Derramado", do Chico Buarque (Cia. das Letras, 2009). A começar pela capa, que segue a reformulação nos demais livros do Chico (Estorvo, Benjamim e Budapeste). Grande sacada, ao colocar na capa o início da estória.

Tal início é muito bom e instigante, de prender o leitor. Assim, ninguém precisará abrir e ler a primeira página para uma avaliação preliminar. Ela já estará na capa. E já saberemos que é um sonhador quem relata a estória, um homem que deseja reviver o passado, que deseja refazer uma vida, repensar decisões, que está em busca de um momento de ruptura.
 
E é isso o livro inteiro. Uma pessoa em busca do momento de ruptura em sua felicidade. Como pode uma vida ter se partido e quem a vive não sabe o que e como ocorreu? Como pode um espavento tão grande acontecer sem sequer um aviso? Sem uma chance de recolhimento. Sem um "fujam para as montanhas". Não aconteceu como em um tsunami, com o recolhimento do mar, o vento forte, a entrada das águas iniciais, forte, mas não mortificante, para depois vir a devastação e ceifar quem ainda não conseguiu fugir.
 
Não, tudo precisou ser deduzido a posteriori, depois da devastação.
 
E assim é o livro, um chorar sobre o leite derramado. E assim é a vida do pobre protagonista, que nos conta a sua história. De forma conturbada, pois se trata de um idoso avançado, embora não totalmente senil, mas em uma cama de hospital, submetido a cuidados duvidosos em um sórdido hospital público.
 
Mesmo nessa masmorra ele continua a sonhar e a imaginar a causa de sua desgraça inicial, quando tudo que lhe era caro desmorona, e, a partir daí, vive em um eterno desmoronar. Nada mais permanece de pé em sua vida.
 
A estória é contada em primeira pessoa, é o próprio velho que conta, de acordo com suas lembranças e sentimentos, como elas lhe vêm à mente, por vezes repetindo eventos. Desfilam por lá toda uma miríade de personagens, de sua vida pessoal, de personalidades públicas, de desconhecidos, de relacionamentos. Acessoriamente, temos o pano de fundo da vida em tempos passados e das paisagens do Rio de Janeiro antigo.
 
Mas isso é somente pano de fundo. A temática é a decadência de uma vida que não consegue se recompor, que nunca conseguiu, que permanece sempre a chorar por algo que o incapacitou.

De fato, é impossível repor o leite no copo.


segunda-feira, 2 de abril de 2012

(Devaneio): Uma vida de sonhos


Agora mesmo, há alguns minutos, tive um encontro que deixou-me angustiado.

Notei, perplexo, que a desigualdade é regra da natureza e que não há como fugirmos disso.

Quando penso que alguém já tem tudo que precisa, o que já me faria um ser de luz, de resplandecente felicidade, observo que lhe pode ser dado ainda mais, como se lhe fosse injusto ter somente tudo, mas é importante que seja, além do tudo, também do melhor.

Uns poucos tem um sonho de vida, um grande número tem uma vida de sonhos, e uma multidão sequer sonha na vida.

Nesse rol de desigualdades que nos permeia,  talvez deva contentar-me em estar no segundo grupo.

De fato, vivo a sonhar, embora sempre acordado, como neste momento. 

Não há como mudarmos tal realidade. Por mais que lutemos, há uma força inexorável na natureza que cuida em criar as coincidências que concederão mais e melhor a poucos e menos e pior a muitos.

É nesse meio-ambiente de possibilidades dirigidas e de dados viciados que nos encontramos.

Porém, em um universo assim, somente a possibilidade de existência de infinitas vidas, tanto presentes, como futuras, pode estabilizar nossas consciências... 

Pois, dessa forma me é garantido estar um dia na vida de meu paradigma, esse cavalheiro da bem-aventurança, e aí eu poderei fazer o que tão intensamente desejei hoje, há alguns minutos?

Quem sabe já estarei fazendo, em um futuro distante, onde não precisarei despedir-me desse desejo com um simples até logo!




quarta-feira, 21 de março de 2012

(Mini-Ensaio): Espiritualidade



Penso que a ideia de espiritualidade não está diretamente ligada à religiosidade. Assim, muitos que gostam de se intitular de ateu, talvez possam rever essa posição, ao se verem livres das questões morais e de comportamento que embute o segundo conceito e não necessariamente o primeiro.

De fato, ser religioso é um comportamento moral e cultural. Está ligado a questões sociais, da longa formação histórica de uma comunidade. É como se expressou para essa comunidade a visão de espiritualidade de uma pessoa ou de um grupo, consagradamente dominante naquela comunidade.

Assim, todos os participantes dessa comunidade, e aqueles que desejassem participar ou se relacionar com ela, para facilitar essa inserção, tiveram que professar essa fé e se submeter a esse padrão de comportamento a que se chamou de doutrina de fé, ou doutrina religiosa.

Nos tempos passados das modernas sociedades, e mesmo recentemente em sociedades conservadoras, a não aceitação ou submissão a essa doutrina religiosa provocou, inicialmente, a excomunhão dos membros revoltosos dos cultos e encontros religiosos, e depois do próprio seio da comunidade e até da família. Essa apostasia foi traumática, vide, por exemplo, a Inquisição Espanhola, sendo que esse comportamento ainda persevera nos dias atuais em algumas sociedades.

Tal trauma persegue a consciência de muitos que se consideram ateus hoje em dia, como se a formulação e execução das perseguições tivessem sido engendradas pela própria divindade, logo, não se pode crer em tal coisa. Ou então, alguns ateus julgam que a existência das perseguições religiosas é fruto da essência da fé religiosa e, enquanto essa fé existir, haverá, por consequência, os perseguidores. Sendo assim, a fé em uma divindade é a motivadora de tanto sofrimento àqueles que não querem se subjugar a tal entendimento.

Porém, a ideia de espiritualidade não é algo que somente existe dentro da religião. Poderíamos dizer que a espiritualidade é um gênero de atributo da consciência humana, assim como a criatividade ou a memória. A religiosidade poderia ser uma espécie de como se revela essa espiritualidade, ou seja, é um subproduto cultural não necessário de nossa consciência de espiritualidade.

Pela espiritualidade nos sentimos participantes de um corpo maior, primeiramente junto com os demais seres humanos, depois com os demais seres vivos de nosso planeta e finalmente com toda espécie de coisas inanimadas do planeta e universo. Em diversos níveis de percepção, ao sentirmos essa interligação e simbiose com o cosmo, passamos a abstrair a necessidade de uma ordem formadora disso tudo, que o constituiu e o mantém coeso, mesmo que tenhamos total livre arbítrio. Ou seja, deve existir um sistema de pesos e contrapesos que acerta o comportamento de todos com o fito de manter uno o tecido que vivemos.

O problema é que nós humanos gostamos de nominar tudo, pois isso nos dá segurança e familiaridade. Então, a esse sistema criador e regulador, as religiões chamam de deus ou deuses ou santos, e atribui regras de comportamentos aceitáveis para quem os nominou, jogando a tabu todo o resto.

Se entendermos que a espiritualidade é a conscientização dessa unicidade e que isso é parte de um processo extremamente inteligente de observação e abstração, mais empírico do que muitos conceitos científico-matemáticos podem sê-lo, muitos ateus poderiam se ver livres de suas amarras e ser mais felizes com seus sentimentos, reconhecendo-os através desse recém-aberto canal da espiritualidade.

domingo, 18 de março de 2012

(Devaneio): Multiverso


Sonho que estou aqui. Onde não me pertenço, onde minhas ondas se formam partículas e onde minhas cordas se enroscam nas tuas. São tão pequeninas...

E de tão pequeninas, de tão diminutas, de tão irrisórias nos perdemos, entramos em conjunto em outros cantos. Nos escoamos. Agora juntos. Enrolados. São apenas partes de nós que visitam outras dimensões. Mas agora não somos tão pequenas, pois já nos vemos. Agora nos sentimos. E não se diferem os prazeres...

Sim, não há diferença nos gozos, sentidos aqui, no macro, ou sentidos ai, no nano. Ou até no múltipo do nano. Quem o sente, sente da mesma forma. É felicidade. Que irradia intensificada. Intercambiada em vibrações. Nos encontramos no infinito pequeno, nos enrolamos e adentramos nesse caminho. Mas, quando voltamos a retesar nossas cordas...

E retornamos de lá, uma parte de nós, a mais significativa, a menor, a ínfima, vibra e energiza. E é essa vibração que agita o mundo macro daqui. O que permite pensarmos ter vida própria é esse eterno enroscar, adentrar o pequeno, retesar e sair e vibrar, como um moto contínuo...

E em uma dessas idas, dessa parte de mim, eu sonhei que estava ai. Onde me pertenço. Minha maior parte, a mais energética, não é daqui, se enrosca e vai, a cada fração de segundo, e se retesa e volta, e empresta energia para essa parte consciente. Mas, eu não sou daqui. Assim, sonhei que estava aí e podia voltar sempre que quisessse, desordenadamente...

Pois, neste multiverso, somos feitos de luz.

segunda-feira, 5 de março de 2012

(Mini-crônica): Intempestiva paixão




- Desde o primeiro dia que te vi pressenti que não ficaria nisso!
- Tem razão, que não ficaria naquilo, mas que chegaríamos a isso.
- Pergunta-me se me arrependo? Claro que não, como poderia. Na verdade, nesse momento, penso justamente o contrário. Quero embrenhar-me ainda mais nesse lodaçal...
- Desculpe-me, não a estou chamando de lama...
- Muito menos de porca. Retiro o que disse, pense então somente no "embrenhar". Embrenhar-me no desejo que me consumia sempre que chegava perto de ti...
- Tudo bem. Prometi que não me apaixonaria. Foi nossa condição mútua. Mas, permita-me apaixonar-me enquanto estivermos aqui. Posso?
- Tem razão, depois que nos despedirmos voltamos a ser como antes. Vamos esperar novamente um pelo outro.
- Sério mesmo! É como eu te disse. Lembro-me exatamente da primeira vez que te vi. E garanto que não estou mentindo ao falar assim, pois o que ganharia com isso? Não estamos nus colados um ao outro e não prometemos não nos apaixonar?
- Conto como foi. Estava sentado ao computador, um dos poucos existentes na sala à época. Estava entretido com meus pensamentos e pretensas aspirações. Foi quando a vi chegar, lépida e serelepe. Sei que você não foi ao local para ver-me, mas para resolver outras coisas. Porém, quando entrou em meu raio de visão, como um imã desconhecido, seu rosto virou à direita e seus olhos buscaram algo que te perseguia. Por frações de segundo encontrou o que procurava, embora sem saber. Os meus olhos. Que a frações de segundo atrás já a havia visto, e medido, e percebido que não haveria de ficar somente nisso. Lembra-se?
- Tudo bem, não foi dessa forma. Percebeu-me apenas como mais uma figura da paisagem. Nem feia, nem bonita, nem diferente, nem atraente, nem abominável, apenas uma nova figura.
- Sem dramas, não ficarei chateado. Eu é que poemei a coisa toda. Meu vício. Na verdade, pensando toscamente, logo de cara, na primeira vez que a vi, já desejei levar-te pra cama. Embora hoje eu saiba que não era só isso.
- Sim, tem razão novamente. Não foi só isso. Passamos pelo ciclo da amizade antes. Por isso foi tão difícil o meu desejo inicial latente. Se não tivesse me transformado em teu amigo quem sabe já não seríamos amantes findados há muito tempo?
- Não. Não desejo ser amigo findado teu, mesmo que sacrifiquemos nosso affair que aqui começamos.
- Eu sei que você nunca percebeu o quanto eu te desejava. Mas, foi você que nunca me ajudou a demonstrar.
- Mesmo naquele dia, sim, mesmo naquele dia, no hotel, quando ficamos hospedados em quartos separados. Como saberia que aquela ligação era uma evidência de que estava me querendo. Confesso, eu era e ainda sou um tolo inocente. De qualquer forma, não estava preparado ainda para você.
- Não, não se culpe de forma alguma. Não temos culpa por nos desejarmos. Resistimos todo esse tempo, e ele não apagou essa vontade, nem se encarregou de nos desiludir, vamos então aproveitar esse momento, quem sabe seja nosso último...

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

(Devaneio): Temos ainda Paris!



Temos ainda Paris, lembra-se?

Ou, pelo menos, no mundo ainda existe Paris! A nos esperar!


Falava que ainda iríamos lá. Garantiu-me, lembra-se?


Tínhamos quantos anos? Vinte e muitos ou trinta e poucos?


Mas a vida nos jogou de lado, pegamos turbulências, ventos de cauda, depressões tropicais. E nosso avião teve de retornar à origem. E aqui ficou.


Paris ficou para mais tarde, em um momento de rara sorte, em um dia de sol e céu de brigadeiro.


E passamos a vida e os sonhos foram se ficando, um em cada canto, dos muitos que acumulamos. Muitos armários de sonhos foram se empilhando.


Até que os tais foram devorados por traças e cupins. E suas essências sumiram, não cheiram mais. Até os rótulos findaram ilegíveis.


Mas, por certo, existia Paris, que não se findava, que não acabava, que continuava a exalar seu aroma.


E ainda acreditava, em um último suspiro, que poderíamos andar de mãos dadas pelos Jardins do Trocadéro a contemplar a Torre Eiffel e o Sena e suas pontes maravilhosas, e andar e andar.


Culpo-me por fazê-la crer, em um momento perdido do passado, que hoje estaríamos, depois de aposentados, idosos e apaixonados, tranquilamente hospedados em um pequeno apartamento com vista para tais locais.


Pode odiar-me por isso. O mereço. Tentei colocá-la em minha ilusão.


Mas de tais ilusões passei meus dias, a esperar o evento que desencadearia a minha missão por aqui, cuja existência tinha certeza desde tenra infância. Ou haveria outro motivo para minha vida nesta figura humana?


Não era assim contigo. Fielmente atrelada ao chão firme, de forma alguma segura em meu andar sobre nuvens, mesmo que a tivesse pegado pela mão.


E eu vivia a sonhar que estava nos ares, que conseguia fugir de monstros invencíveis, que somente podiam ficar em terra firme. Eu não seria capaz de derrotá-los, e nem precisava. Para que? Eu podia andar nas nuvens. Não era um voo, qual um “pavão misterioso”, era apenas um andar sobre nuvens.


E, por fim, hoje, neste momento, lembro-me de sua garantia (tinha trinta e poucos anos), de sua certeza, quase poderia assinar uma promissória diante da afirmativa: “Nós vamos lá!”


Por isso, agora, depois de décadas de esquecimento, apesar desse ocaso da vida, como se alguém nos tivesse garantido tal prêmio pela nossa resiliência, eu volto a afirmar: 


“Temos ainda Paris, lembra-se?”

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

(Mini-Ensaio): Empirismo de que?


Angustio-me, quando leio em artigos e teses de economia, menção do autor dizendo, por convenção, que se utilizou de "análise empírica" para tecer suas conclusões.

Ao deter-me no texto o que vejo é uma imensidão de fórmulas e enunciados estatísticos, com a adoção de corolários, princípios, "senões" e limitações técnicas advindas do método estatístico.

Ora, se a análise é empírica, deveria ter-se baseado na observação e na prática, ou seja, é fato. Tal análise não poderia ser  tão cerceada por  limitações advindas do método. Fica claro que, na forma como foram feitas, se prestam mais ao método do que a explicar os fenômenos que originariamente pretendiam (já impossíveis de se ser explicados em meras equações, por serem advindos de comportamento humano imponderável). Quase todo o trabalho empreendido na formulação e apresentação se destina a discorrer o método escolhido, explicar suas limitações e resultados intrínsecos a ele. Ao final, quase como uma nota de rodapé, se apresenta um resultado conclusivo que, diante da imensidão de contas adaptativas e/ou restritivas feitas, torna-o muito propenso a ser uma verdadeira falácia.

De fato e como poderia se dizer, empiricamente, tem se observado tal falácia pela imensidão de erros de análise, estimativa ou avaliação em estudos econômicos e financeiros, desde que a análise econométrica tornou-se regra inflexível, camisa de força para uma análise indutiva (não estatística) e condição sine qua non para sua publicação.
 
Falácia, porque essa imensidão de cálculos, ajustes e restrições estatísticas, termina, inadvertidamente (quando, na verdade se desejava justamente o contrário), por considerar essencial algo que é apenas acidental, ou por tomar uma exceção como regra, ou por restringir demasiadamente as causas do efeito (fenômeno) que se está analisando.
 
É como já ouvi uma vez, "a estatística é como o biquíni. Mostra tudo, mas esconde o que, na verdade, todos querem ver".
 
É ridícula a presunção de que devemos aceitar conclusões obtidas por tais teóricos, somente por causa da utilização de métodos sofisticados e "robustos". Pessoas que, na verdade, nunca observaram de fato o fenômeno que estão analisando, apenas procuram açoitá-lo com uma carga de fórmulas elegantes e prestigiosas, visando mais a acariciar o ego delas, ao demonstrar seu conhecimento na manipulação de tais fórmulas, do que evidenciar conhecimento sobre o fenômeno que pretensamente analisam "empiricamente".

É como termos que escolher entre dois sujeitos que  pretendem nos ensinar a andar de bicicleta.
 
Um, o analista "empírico", na concepção dos que estou aqui relatando, antes de oferecer sua conclusão, apresenta amplo estudo matemático-estatístico a respeito das várias iniciativas sobre como melhor pedalar, o jeito de apoiar o pé no pedal, a forma de sentar-se no selim, o momento de sair, a velocidade de equilíbrio, etc. Agrega tudo em múltiplas variáveis e busca sua correlação, encontra a(s) mais determinante(s), em uma análise multivariada robusta e baseada em curvas e normalizações adequadas e parâmetros bem testados, para ao final, dizer-nos das limitações de sua análise, já que, confessamente, o sujeito nunca pedalou uma bicicleta. Mas, ele e todos de sua estirpe consideram o modelo robusto e defensável, podendo ser reproduzido por qualquer um que se utilize dos mesmos parâmetros. Enfim, não disse nada que nos leve a pedalar.

O segundo analista, esse o verdadeiro analista empírico, nos apresenta sua experiência sobre como aprendeu a pedalar, obtida através de sua prática e observação. Em poucas linhas, sem necessidade de bazófias e demonstração excessiva de uma inútil (na prática) sabedoria numérica, nos traz informações essenciais e práticas, tal como tamanho da bicicleta, regulagem de freios e pressão de pneus, e chega rapidamente à explicação do fenômeno,  ao mencionar como dar os pequenos empurrões com os pés sem pedalar, na tentativa de encontrar o nosso eixo, para, após a segurança desses empurrões, variável de pessoa para pessoa, nos atrever às primeiras pedaladas. Enfim, a análise empírica real se obtém na prática, na experiência colhida e na observação pacienciosa.
 
Não advogo nenhuma volta total ao Racionalismo puro, mas seria bem apropriada uma boa dose de indução prévia, seguida de um método de pensamento atrelado à experiência, ou mesmo a elaboração de um teste de aplicabilidade verdadeiramente empírico, antes de qualquer divulgação dessa "análise empírica". Aquilo que não fosse passível de ser testado empiricamente ou que ainda não fosse realmente experimentado empiricamente (no mundo real) nunca poderia ser divulgado como teoria econômica, floreada com tantos louros, mas, no máximo, como um ensaio, quando muito. Não deveria ser tão relevante os métodos estatísticos geralmente aceitos, mas sim uma boa dose de plausibilidade prática, a confirmar sólido pensamento indutivo histórico, filosófico ou observacional, mais ou menos, mal comparando, como se observa nas experiências do programa "MythBusters".

Senão, a meu ver, continuará risível a casca de "empírica" que se atribui a esses estudos.