quarta-feira, 31 de julho de 2013

(Devaneio)(Poema): A Tempestade e o Albatroz



A Tempestade
Ilusão de alguém, que se pretende passar por um deus, e fantasiar e transformar em realidade tal fantasia, mais que somente uma fuga.
A fuga é o nosso encontro. Quem sabe, de onde me perco você possa achar algo. Você mal sabe o que te angustia, o que te atormenta. Não pensa nisso. Não deseja ter por perto a minha imagem, que possa te lembrar o encontro, de ti, de mim, das coisas.
Tormento para você é ter que dar explicações. Explicações que não saiba dar, nem onde encontrar, ou se existem, pois você vive ao sabor da tempestade, sem nada pedir-lhe, senão que não pare, pois, enquanto o vento soprar, você se mantém suspenso e não precisa pousar e ver a destruição que a tormenta causou.
Enquanto estiver nos ares, pode refugiar-se nas brumas, no véu de nuvens e até receber um ou outro estilhaço no corpo, nada que o prejudique muito.
Mas, e nós que ficamos nesse chão liquefeito, abaixo da linha das tormentas? E nós que temos que contabilizar as destruições a cada vez que o vento resolver revolver nossos despojos? E nós que a todo o momento, quando o silvo do vento cessa, pensamos que o véu de nuvens irá se esvair e pensamos que, finalmente, nosso sol se mostrará, e baixamos a guarda e vamos para a rua, para recebermos nova lufada de desgraça e termos que refazer aquilo que sequer foi refeito, depois da ultima destruição?
E nós, o que esperamos?
Esperamos ter de novo a alegria de outros dias, quando ainda achávamos que o problema não era sério, quando nos achávamos protegidos por nossa dignidade, eleitos que fomos para tão importante e respeitoso mister? Esperamos ter outra vez o que nos foi roubado, a nossa alegria, a nossa fantasia, a nossa esperança,
A nossa ilusão?
O Albatroz
Sou então o ilusor ou o iludido? A quem pretendia que me seguisse, que me fosse meu albatroz, eu, na verdade tornei-me o teu. Sou o perseguidor, sou aquele que traz angustia e sofrimento.
Não seria assim, não deveria, pelo menos. Não deveria ser por tal caminho que eu encontraria minha felicidade. Não poderia ser dessa forma que eu reteria aquela parte de minha vida destinada à preparação.
Preparação para o meu albatroz, pois sou peixe cansado das profundezas e estou agora na superfície, estagnado, com pouquíssimo movimento, presa fácil.
Mas, antes do bico salvador e redentor, que irá transportar-me a outras oportunidades, no ultimo piscar de olhos, quando enxergava a luz embaçada da manhã, e quando via ao longe um despencar de algo branco em minha direção, ao reabrir os olhos, vejo-me agora em outra vastidão, não mais líquida, não mais bruxuleante de raios de sol, mas transparente, e agitada, vejo-me em penas e bicos e asas.
O susto foi tão grande que despenquei das alturas, caindo no muro fluído que ocupava toda parte de baixo dessa nova existência.
Agora não sabia mais como sair dali. Olhei apenas para o peixe que me encarava espantado, talvez não acreditando no que via, ou na sorte que tinha ao ter como predador tão atrapalhada criatura. E não quis dar segunda chance ao azar, entrando nas profundezas, fazendo-me sentir como se uma parte de mim se ausentasse de repente.
Nunca mais vi aquele ser.
Mas, tinha outras preocupações. Como sair daquele estado deplorável e retorcido. Coisa fácil, pois, ao abrir as asas e por-me em pé, repentinamente, meu corpo assumiu as funções. Reconheceu-se por si só e, de uma só vez, alcei vôo. Passei a ser um espírito alado, passei a estar em uma posição que não me pertencia, passei a ir a lugares que antes não queria ir.
Tornei-me meu e teu albatroz.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

(Poema): Tirar-te de mim






Sentir sem transbordar e ter sem reter.
Preciso  perceber os exageros em minha vida,
notar aquilo que me ultrapassa, que me transpõe,
como ver-te como algo fora de mim,
mantido em suspensão.

Se mantenho-te dentro de mim, 
nunca poderei observar-te.
Para vislumbrar a beleza de Sua criação,
Deus a expeliu de Si, e a manteve distante,
o mais que pode, apenas para contemplar.

E, se não posso dizer-me ou fazer-me Deus,
mesmo assim, concebi-te, e agora, como é duro
tirar-te de mim. E enquanto estiveres aqui dentro,
nunca poderei ver-te, e espelhar-me em ti, ou não,
apenas ver-te, deixar-te seguir teu destino.

Enquanto estiveres aqui em mim, vejo-te,
mas, envolvido pelas brumas de meu próprio ser,
tu és disforme, pois não te amoldas à minha armadura,
não te envolves bem a minha própria névoa.

Concedam-me forças para tirar-te de mim.
Preciso sair-me de repente, e somente assim,
após essa intensa e única convulsão, poderei ver,
eu somente a mim e tu somente a ti.