quinta-feira, 26 de setembro de 2013

(Mini-crônica): Atrapalhação

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Nem sabia como contar o ocorrido.

É atrapalhada como ninguém. Por quantas vezes já brigou com seu namorado por conta disso?

Sabe-se lá. Dúzias de vezes. Na verdade, tinha muitas dúvidas sobre o motivo de ainda se manterem juntos se a sua principal característica era essa (ao menos em seu pensamento, pois não se dava conta de "sua" principal característica de fato, endeusada por seu namorado, a saber, sua beleza. Essa sim, era o que enlaçava seu amor e o impedia de sair de perto dela).

A verdade era que andava bem tranquila naquele dia. Pensamento solto, cabelos ao vento, aproveitando os últimos raios de um outono totalmente descaracterizado por sua quentura. Mas, estávamos em meados de junho e o inverno reclamava o seu espaço no calendário, já tendo chegado ao sul do país.

Talvez por que aumentasse muito para si mesma a importância dos incidentes em que se via metida, não se dava conta do estontear que provocava em cada lugar que passava. Não percebia que boa parte dos tantos problemas era justamente advindo dessa turbação de pensamentos e vistas a que se viam atingidos homens (e muitas mulheres) que a cercavam.

E não poderia ser diferente neste início de tarde, ainda quente, mas com uma leve brisa outonal.

Estava bem adiantada à entrevista no estágio. Marcou esse compromisso há um mês e quase não dormiu na sua expectativa, dia 19 de junho. Repassou todas as dicas de professores e amigos, simulou a entrevista com o namorado, que, por ser 3 anos mais velho, já havia passado por aquela mesma entrevista anos antes.

Tudo estava em conformidade. Usou sua roupa mais discreta. A calça social mais folgada possivel, a blusa mais solta, a maquiagem mais leve. Os cabelos deixou solto, depois de inumeras tentativas de mante-los presos.

Resolveu parar em uma cafeteria próxima. Para tomar um chá que a acalmasse. Nem pensar café, que comprometeria seu hálito e a deixaria inquieta.

Claro que, atrás dela, sutilmente, quase que de repente, formou-se um pequeno séquito de admiradores. Alguns até entraram na cafeteria, Ficaram bisbilhotando o local, mas foram embora. Um deles, mais obstinado, resolveu pagar para poder contemplar melhor aquele belo espécime feminino. Resolveu tomar um cafezinho a duas mesas da dela. Nada especial, apenas sucumbiu a um acesso de leve voyeurismo.

Foi quando, de repente, sem nenhum aviso aparente, ela levantou-se. Subitamente para todos, menos para ela, que sempre justificava tais arroubos com uma lembrança repentina e, assim que seu cérebro dava conta de tal lembrança, acionava pernas e braços e punha-os a agir.

Dessa vez lembrou-se que estava com vontade de fazer xixi. A tensão pela entrevista quase havia retirado tal necessidade, mas ao sentar e colocar o chá na boca, novamente sobreveio tal questão fisiológica, que passou, em questão de décimos de segundo, de simples lembrança a necessidade premente, quase vital.

Ele, que a admirava como uma flor que acabara de cair da árvore a um passo de distância, e via o cair leve e delicado dessa flor, ao sabor do vento mais do que da gravidade, assustou-se sobremaneira com o súbito pulo dela, a ponto de deixar cair a xícara de café no colo, com todo seu conteúdo ainda intacto, o que o fez soltar um berro, dirigido não à xícara ou ao seu acidente, mas à bizarrice do pulo dela:

- Caramba. O que aconteceu aqui?

Ela, preocupada em cumprir com seu desejo fisiológico, nem percebeu o grito ou o apuro por que passava o moço da mesa ao lado, tentando refrescar suas partes pudendas e o problema da mancha bem naquele lugar. Enfim, mesmo com dores e ardências, pensava ele, mereço isso, quem mandou parar aqui somente para admirar uma mulher?

Quando ela voltou do banheiro, mais aliviada, também não notou que o moço do acidente não estava mais por ali, apenas observou que faltava pouco tempo para a entrevista. Por sorte o chá já estava morno e pode tomá-lo quase de uma vez e sair rapidamente, não sem pisar no pé de outra pessoa que aguardava ser atendido na fila do caixa, este sim o único acidente que julgava haver cometido naquele dia.

Quando chegou ao imenso prédio onde passaria pela entrevista, resolveu antes fazer um minuto de meditação a fim de entrar tranquilizada e não agir de sobressalto em nada. Apagou de sua mente tudo que pudesse lhe atrapalhar.

A secretária do gerente que a entrevistaria pediu para aguardar um pouco, pois o gerente estava atrasado do almoço, mas chegaria em alguns minutos, o que, de fato, ocorreu.

Chegou um homem apressado, aparentando quase 40 anos e bem alto. Entrou sem nem olhar para ela. Apenas explicou à secretária que teve de passar rapidamente em uma loja das proximidades e comprar uma calça, pois havia derramado café na outra. Sem maiores explicações entrou em sua sala pedindo um café para a secretária.

Um ou dois minutos depois a secretária sai da sala do gerente e a autoriza entrar.

Mesmo com todo o nervosismo da situação, ela procura agir calmamente e se dirige à porta.

Nesse momento, ainda confabulando-se sobre o incidente, sobretudo quanto ao fato de nos meter em situações constrangedoras desnecessariamente, o gerente vê sua porta se abrir e quem entra é, nada mais nada menos, que a beldade, a flor que virá cair suavemente há pouco e que causou sua queimadura na coxa.

O susto foi tão grande que levantou-se de supetão, esquecendo-se a xícara ainda cheia na mão. Dessa vez o grito foi ainda maior e ainda mais incompreensível para ela.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

(Citações): Risíveis Amores, de Milan Kundera

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Faço aqui alguns parenteses sobre trechos de livros que leio, nos quais encontros frases ou parágrafos com ideias que, de uma forma ou de outra, um pouco mais, um pouco menos, eu também advogo ou  acredito ser válidas também para mim ou para o meio em que vivo.

Ou, pelo menos, considero-os insights, belas tiradas do autor. E eu, no melhor estilo "como não fui eu que fiz", quero apenas mostrar, muito mais para que não caia no meu esquecimento, como quase tudo que um dia entrou em minha mente.

Atualmente leio uma edição popular (barata) do livro "Risíveis Amores" do Milan Kundera (Companhia das Letras, 2012, tradução da versão francesa de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca). Não me sinto capaz de fazer qualquer resenha sobre o livro, quanto mais falar do autor. Até esse momento, havia lido, há cerca de 15 ou 20 anos (não lembro), o seu livro mais famoso no Brasil, "A Insustentável Leveza do Ser", e comecei a ler "A Arte do Romance", sendo que esse ultimo não consegui terminar, por considerar demasiado teórico e erudito para mim.

Então vou ao primeiro trecho que achei muito bom (pág. 11):


"Atravessamos o presente de olhos vendados, mal podemos pressentir ou adivinhar o que estamos vivendo. Só mais tarde, quando a venda é retirada e examinamos o passado, percebemos o que vivemos e compreendemos o sentido do que passou."


De fato, é isso mesmo. Somos todos cegos no presente, em nenhum momento podemos ter total confiança no que fazemos ou no que deixamos de fazer. Além de cegos, somos guiados e guiamos outros cegos. É impossível vislumbrar em nossas atitudes diárias, aquela que nos levará a um precipício em poucos instantes, ou a que nos guiará para um mar de delícias em algum momento. 

Nunca saberemos totalmente. Agimos na confiança. Ou na esperança de que o chão estará no lugar que julgamos estar, de que a esquina estará ali, de que o outro cego, que porventura vier em nossa direção, pressentirá nossa presença e se afastará ou vice-versa.

A sorte é que nos guia. Seu império é uma situação generalizada. Todos temos a mesma cegueira temporal e ninguém pode se valer de sua pretensa suficiência em seu único benefício.

Logo, não há necessidade de sermos tão exigentes em nossas ações ou em seus erros. Ora, são atitudes praticadas por um cego. Se acertamos foi pura sorte, por mais pretensamente científica que possa ter sido nossa decisão. A sorte é que nos guia na verdade. Se erramos, não deve haver recriminações, pois é isso que se espera de um cego andando em uma rua movimentada, ou seja, que enfie a testa em um poste ou que seja atropelado ao atravessar uma rua.

Será que foi tirado de nós esse sexto sentido? Um especial sentido de tempo, um sensor que detecte as tênues mudanças na dimensão tempo e nos forneça prognósticos. Ou nunca tivemos tal capacidade? Fomos extirpados ou esse item não foi acrescido em nosso desenho básico?

Tenho outro ponto que acho pertinente (pág. 73):


"Até inventara, para seu próprio uso, um método original de autopersuasão: repetia para si mesma que todo ser humano ao nascer recebe um corpo entre milhões de outros corpos pronto para o uso, como se lhe fosse atribuída uma moradia semelhante a milhões de outras num imenso prédio; que o corpo é, portanto, uma coisa fortuita e impessoal; nada mais que um artigo emprestado e de confecção."


Genial. É uma excelente alegoria sobre a presença da alma como algo que sublima do corpo, como algo atemporal ou definitivo. 

Quem sabe não seja isso mesmo! A natureza dispõe de bilhões de invólucros a serem utilizados, ou dispõe da fórmula de constituí-los, que será utilizada a cada vez que necessitamos de uma nova roupa, dependendo da ocasião a que fomos designados. Nosso corpo real permanece o mesmo, mas, dependendo da roupa, ou casca, podemos ter nossa atuação modificada.

Ora, um soldado em uma armadura medieval teria atuação diferente de um astronauta em um traje espacial. Não se pode dizer que uma veste é melhor que a outra, pois depende para que trabalho o seu usuário foi designado. 

Sendo assim, tal traje, de fato, não nos pertence, mas àquele que nos emprestou, que o levará quando acabar nossa missão, reciclando-o. Afinal, esse é um tipo de instrumento que se presta somente a uma única utilização.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

(Sonho): Ultima chance

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Até o momento tenho falado sobre os problemas que podem  impedir a realização de meu desejo de morar fora do Brasil, e viver uma realidade melhor, pelo menos que a do nosso país.

Tenho falado de questões financeiras, questões de logística, questões de emprego, questões pessoais e até psicológicas. Cada uma a seu tempo, cada uma em sua intensidade podem jogar um caminhão de areia nas minhas pretensões.

Assim, realmente é muito difícil que eu consiga tal empreitada.

Mas, o que me move, o que me faz, ainda assim, querer fazer? Ou, o que me faz ainda considerar isso um sonho?

A resposta mais acertada seria um tremendo: "Sei lá"!

Porém, como qualquer ser humano, busco motivos para tudo, e aqui não seria diferente. Alguns já até falei, que é a busca de um lugar seguro, despreocupado de assassinatos e roubos, um lugar onde as coisas funcionem, onde as pessoas se respeitem e são respeitadas, onde as pessoas são conscientes de seu papel na comunidade, um lugar limpo, um lugar que seja, ao mesmo tempo, urbano e clean e com natureza próxima, com árvores, parques, serviços públicos úteis e funcionais. 

Isso tudo, dessa forma, existe? Talvez sim. Porque não em Vancouver, no Canadá? Podia ser em outras tantas cidades, mas acho que lá encontraria a síntese dessas aspirações. Não que seja o paraíso na Terra, e também nem busco tanta perfeição.

A partir daqui teria de entrar em todos os problemas para me refugiar por lá. Mas, já tratei dessas questões em outros posts, e talvez volte a elas no futuro.

O que eu queria acrescentar nesse post é a razão final de minha vontade de emigrar, de meu desejo de sair daqui.

Sim, porque sempre haverá razões manifestas e razões escondidas. E creio que são as últimas que realmente impulsionam os desejos e validam as forças que são levantadas para realizar os grandes empreendimentos. Sim, porque, guardadas as proporções individuais, cada um sabe onde aperta o seu sapato, e o esforço que se fez para conseguir realizar um desejo.

A minha razão escondida, velada, não declarada é a necessidade de uma ultima chance de vitória. 

Isso mesmo, tenho 46 anos! Sinto-me velho! Sei que não, mas sinto-me. Infelizmente!

Nesse momento de minha vida posso me gabar unicamente de uma coisa: Sou um sobrevivente.

De onde eu vim, o que eu passei, as pouquíssimas oportunidades que me foram oferecidas, os exemplos a que fui submetido, eu posso dizer que sobrevivi a furiosas tempestades e avalanches, e a marasmos também, quando nada de relevante poderia acontecer.

A situação que encontro-me hoje é realmente a de um sobrevivente. Um náufrago, que conseguiu chegar a uma ilhota que oferece tudo de básico para sua sobrevivência. Árvores, pequeno lago, coqueiros, mar, sim há tudo que se precisa para não morrer de fome, sede, frio ou calor. E este náufrago conseguiu isso depois de nadar e boiar por quilômetros e, às vezes por sorte, às vezes por inteligência, não ser devorado por tubarões.

Assim, o que mais poderia reclamar? Na concepção de alguns, poderia se considerar um vitorioso. Na sua concepção, apenas um sobrevivente.

E é assim que me sinto. De tudo que me empenhei na vida realizei somente o suficiente para sobreviver. Em nada posso me chamar um vitorioso de mão cheia. A ninguém poderia oferecer consultoria sobre viver e vencer. Apenas viver e sobreviver.

A ida ao Canadá, ou qualquer outro lugar que signifique imigração, seria minha última (ou única) tentativa de vitória. Seria deixar minha pequena maloca, meus cocos, meus peixes, minha roupa de folhas de coqueiro, e, fazendo uma jangada rústica, sair ao mar (confiante em sua mansidão), pronto para vencer ou morrer.

É desse medo que tento fugir, e é pelo vislumbre do porvir que brilham meus olhos.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

(Mini-Ensaio): Conhecimento

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Gostaria de escrever algo sobre o conhecimento, ou como o entendo, como penso que o adquiro e como posso transmiti-lo.

Longe de mim a pretensão de esgotar o assunto. Meus próprios conhecimentos não chegam nem a arranhar a questão. E, a bem da verdade, sequer pude sistematizar isso em mim mesmo, quanto mais generalizar o assunto.


Dependendo a quem fizermos tal pergunta, poderíamos ter centenas de páginas escritas. Se perguntarmos a um scholar, como boa parte das pessoas que me rodeiam se identificam, precisaria de dúzias e dúzias de citações, fundamentações de autoridades, quadros e tabelas, e muitas e muitas divagações puramente quantitativas e roteiros e check lists de como proceder assim ou não-assim.


Há também todo um método que precisa ser obedecido. De qualquer forma o método é o mais importante. Fazer um estudo dito cientifico é, além de tudo, fazer uma receita de bolo. Precisa ser capaz de ser reproduzido.


Mas, não posso fazer assim, pois estou tentado divagar sobre o processo em mim mesmo ou seja, somente pode ser reproduzido por mim mesmo. A não ser que conseguissem isolar minha mente em algum laboratório.


Por outro lado, a uma pessoa simples, de pensamento prático e lida atarefada, obteríamos uma resposta advinda de sua experiência pessoal, como ele próprio adquiriu seus conhecimentos, aquilo que foi necessário para sua sobrevivência e de sua família, e como foi possível passar essa experiência por gerações, através de exemplos ou observações direta, através de erros e acertos, todos testados diretamente na prática. A refutação a uma premissa, nesse modelo simples e totalmente empírico, pode significar a própria morte do pesquisador.


E é aí que reside a beleza dessa forma de conhecimento. Não há um método, não há como contrapartes testarem sua validade, e nem precisa, afinal, a simples sobrevivência dos "pesquisadores" é sinal de que o método é eficaz. Pode não ser possível testar a sua eficiência, mas sua eficácia é e sempre será fato, enquanto houver propagação.



Diferente do que se possa imaginar, não estou aqui para refutar totalmente um ou outro discurso. Ambos tem sua validade, servem aos interesses de seu público e foram eficazes em trazer seus usuários até o presente momento. Se bem que sabemos que o saber popular é bem mais antigo e eficaz e, do ponto de vista escatológico, deve ser o predominante ao fim de tudo.


Também não pretendo inovar coisa alguma. Sou mais propenso ao pensamento tradicional pragmático, mas não poderia recusar totalmente o método científico-acadêmico.


Creio que o grande problema do método científico é privilegiar por demais os resultados, e jogar à indiferença os caminhos tortuosos que se trilharam, assim que lá se chegou. Ora, o caminho por vezes é a melhor parte da viagem, melhor até que o destino. Apesar disso, soando claramente como um contrassenso, há uma preocupação excessiva com o método. Uma apresentação científica geralmente gastará "90%" de seu tempo em demonstrar que se seguiram todos os ditames da norma científica, que foi analisado o modelo tal, pelo parâmetro tal, segundo aquilo que aquele ou aquele outro luminar da área recomendou. Assim, somente após esse longo discurso é que será aceita qualquer conclusão.


Ou seja, não é, de maneira nenhuma, uma metodologia de vida, é apenas um ritual. Vale para aqueles iniciados.Somente para esses.


Mas, não foi assim que chegamos até aqui. Não foi dessa forma que saímos de uma condição simiesca e passamos a ser humanos, passamos do nomadismo e da dependencia absoluta do que a natureza nos concedia, para podermos, até certo tempo, mudar a realidade que nos é apresentada e, até certo ponto, criar alternativas que naturalmente não existia. Chegamos até aqui muito mais pelo método da inferência pura e simples, o cientificamente abominável "achismo" foi muito mais util para os humanos do que o método científico. Aliás tenho sérias duvidas sobre o tipo de sociedade que chegaremos em uma pretensa exacerbação do método científico, quando não conseguirmos amoldar a realidade a uma fórmula matemática e assim ficarmos estagnados, achando estar no limiar, no topo do conhecimento.


Caminhamos para isso? Quando não soubermos mais fazer perguntas, ou quando acharmos que todas as respostas já foram encontradas.