segunda-feira, 16 de abril de 2012

(Devaneio): Quarenta e cinco

 
Dá-me somente quarenta e cinco.
 
Minutos, horas? Um dia não te basta?

 
Talvez, quem sabe?

 
Pensas que estou brincando, que tenho tempo de esperar-te, que minha vida pode ficar suspensa até o momento que desejas?

 
Dá-me então somente esses quarenta e cinco que te peço.
 

Dias?
 
Pode ser. Em um mês e meio poderei refletir? Poderei ver se funcionam algumas teorias? Testar algumas idéias? É básico, sim é elementar que nos apoiemos no lado real. No que de fato está acontecendo por aí, ao nosso redor. Vermos como desabrocha uma flor, como são influenciadas pelo orvalho da manhã, ou como o sol de verão as pode fustigar, tanto como o gelo depositado em uma nevasca de inverno. Preciso desses dias para visualizar o que existirá quando suceder a partida do sol e as nuvens tomarem seu lugar, e depois, quando a ventania afastar o nevoeiro e, repentinamente, não encontrarmos novamente o sol para aquecer o gelo de sobre a flor. Penso...

 
Espere! Dirás que isso acontecerá em quarenta e cinco dias? Logicamente que não terás tempo para tanto desenrolar.

 
De fato, então dá-me os quarenta e cinco que te peço.

 
Ora, os terá, terás os quarenta e cinco que precisa. Anos, creio eu! Mas, com toda a certeza, não terás mais a mim ao final dessa idade.

 
Sinto dizer-te, que quarenta e cinco anos também não serão suficientes para vislumbrar com suficiente presteza a flor e seu desabrochar e o cair e o derreter do gelo de sobre os ramos. Sinto que também não poderei contemplar o levantar e o cair de nuvens e o findar da luz por sobre elas.

 
Então, estás dizendo-me que perco meu tempo, pois, se esse teu quarenta e cinco não se resume a anos, então está além de minha compreensão.

 
Não estás perdendo o teu tempo e compreenderás perfeitamente. Já me foi dado quarenta e cinco, deram-me em anos, mas preciso de mais, e também em outras grandezas, não somente em tempo, mas em experiências, em vidas, em conquistas, em vitórias, enfim em coisas que nutram a felicidade, mais que o tempo. Já me deste também um espaço de tua vida, mas então te peço mais. Dá-me quarenta e cinco, então. E vamos transformá-los em uma eternidade. Não podemos ficar juntos pelos próximos quarenta e cinco, sejam minutos, horas, dias, séculos, vidas, experiências, conquistas? Podemos marcar de nos encontrar aqui, sempre, e tu podes estar em meu lugar me pedindo por cinco, por vinte, por trinta e cinco ou por oitenta. Os quarenta e cinco que ganho de ti hoje te servirá de caução e poderá obtê-lo de volta sempre que quiser, desde que me inclua também. E te garanto que tendes muito mais aqui comigo, de forma que quarenta e cinco eras não serão suficientes para os gastarmos.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

(Mini-Crônica): Leite Derramado, de Chico Buarque de Holanda



Não foi o último livro que li. Depois dele ainda veio "O lobo da estepe" e "Sonhos de uma flauta e outros contos", ambos do Hermann Hesse, e estou lendo um do Carlos Heitor Cony, "A tarde de sua ausência".
 
Então não foi o último, mas poderia dizer que foi o último melhor. Estou falando de "Leite Derramado", do Chico Buarque (Cia. das Letras, 2009). A começar pela capa, que segue a reformulação nos demais livros do Chico (Estorvo, Benjamim e Budapeste). Grande sacada, ao colocar na capa o início da estória.

Tal início é muito bom e instigante, de prender o leitor. Assim, ninguém precisará abrir e ler a primeira página para uma avaliação preliminar. Ela já estará na capa. E já saberemos que é um sonhador quem relata a estória, um homem que deseja reviver o passado, que deseja refazer uma vida, repensar decisões, que está em busca de um momento de ruptura.
 
E é isso o livro inteiro. Uma pessoa em busca do momento de ruptura em sua felicidade. Como pode uma vida ter se partido e quem a vive não sabe o que e como ocorreu? Como pode um espavento tão grande acontecer sem sequer um aviso? Sem uma chance de recolhimento. Sem um "fujam para as montanhas". Não aconteceu como em um tsunami, com o recolhimento do mar, o vento forte, a entrada das águas iniciais, forte, mas não mortificante, para depois vir a devastação e ceifar quem ainda não conseguiu fugir.
 
Não, tudo precisou ser deduzido a posteriori, depois da devastação.
 
E assim é o livro, um chorar sobre o leite derramado. E assim é a vida do pobre protagonista, que nos conta a sua história. De forma conturbada, pois se trata de um idoso avançado, embora não totalmente senil, mas em uma cama de hospital, submetido a cuidados duvidosos em um sórdido hospital público.
 
Mesmo nessa masmorra ele continua a sonhar e a imaginar a causa de sua desgraça inicial, quando tudo que lhe era caro desmorona, e, a partir daí, vive em um eterno desmoronar. Nada mais permanece de pé em sua vida.
 
A estória é contada em primeira pessoa, é o próprio velho que conta, de acordo com suas lembranças e sentimentos, como elas lhe vêm à mente, por vezes repetindo eventos. Desfilam por lá toda uma miríade de personagens, de sua vida pessoal, de personalidades públicas, de desconhecidos, de relacionamentos. Acessoriamente, temos o pano de fundo da vida em tempos passados e das paisagens do Rio de Janeiro antigo.
 
Mas isso é somente pano de fundo. A temática é a decadência de uma vida que não consegue se recompor, que nunca conseguiu, que permanece sempre a chorar por algo que o incapacitou.

De fato, é impossível repor o leite no copo.


segunda-feira, 2 de abril de 2012

(Devaneio): Uma vida de sonhos


Agora mesmo, há alguns minutos, tive um encontro que deixou-me angustiado.

Notei, perplexo, que a desigualdade é regra da natureza e que não há como fugirmos disso.

Quando penso que alguém já tem tudo que precisa, o que já me faria um ser de luz, de resplandecente felicidade, observo que lhe pode ser dado ainda mais, como se lhe fosse injusto ter somente tudo, mas é importante que seja, além do tudo, também do melhor.

Uns poucos tem um sonho de vida, um grande número tem uma vida de sonhos, e uma multidão sequer sonha na vida.

Nesse rol de desigualdades que nos permeia,  talvez deva contentar-me em estar no segundo grupo.

De fato, vivo a sonhar, embora sempre acordado, como neste momento. 

Não há como mudarmos tal realidade. Por mais que lutemos, há uma força inexorável na natureza que cuida em criar as coincidências que concederão mais e melhor a poucos e menos e pior a muitos.

É nesse meio-ambiente de possibilidades dirigidas e de dados viciados que nos encontramos.

Porém, em um universo assim, somente a possibilidade de existência de infinitas vidas, tanto presentes, como futuras, pode estabilizar nossas consciências... 

Pois, dessa forma me é garantido estar um dia na vida de meu paradigma, esse cavalheiro da bem-aventurança, e aí eu poderei fazer o que tão intensamente desejei hoje, há alguns minutos?

Quem sabe já estarei fazendo, em um futuro distante, onde não precisarei despedir-me desse desejo com um simples até logo!