segunda-feira, 2 de agosto de 2010

(Texto): Quase parece

E tem aquela do garoto que quis parecer com os que ele detestava.

E de tanto tentar ele se tornou.

E se tornando passou a se detestar.

E enquanto não se via não percebia no que tinha tornado.

E não questionava.

E havia o momento da contemplação.

E havia a barba, que não podia cair pelo peito.

E havia os dentes, que careciam de tratamento.

E havia os demais pelos da face, do nariz, das orelhas, que teimavam em crescer, que reclamavam ser estirpados.

E para tudo isso, havia os espelhos.

E se olhando, se odiava.

E saindo da vista, não se questionava.

E quebrou os espelhos da casa.

E trocou a visão pelo tato, sentido quase tão bom quanto o primeiro.

E então se mudou para uma cidade com um lago.

E tinha de cruzar uma ponte por sobre o lago para trabalhar, para ir, para vir, para sair e voltar, e para tudo o mais.

E o lago, de águas tão límpidas, azuis, cristalinas, a tudo refletia nas primeiras e últimas horas do dia. Horas que cruzava a ponte.

E teimava em se olhar ao cruzar a ponte.

E odiava.

E odiava.

Dia após dia.

Até que resolveu e pulou para enfrentar esse lago, essa imagem, esse derradeiro espelho de sua vida. Essa última imagem de si, naquilo que se tornou.