quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

(Citações): O livro de sua vida, de OSHO

Free image in http://www.sxc.hu/photo/1430228 by haiinee 
Talvez ainda não estivesse preparado, talvez o momento atual não seja o mais propício, talvez não se encaixe à minha história de vida, ao meu desenvolvimento humano, talvez não se adeque aos meus medos, aos meus mais obscuros medos, ao meu desejo de ter algo mais, à minha ancestral necessidade de pai, de colo.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

(Sonho): A quantas andam?

Free image on http://www.sxc.hu/photo/1209643 by iamwahid

Nos últimos posts tenho focado na literatura e na divagação, ou seja, na parte de "crise existencial" de minha vida, que consome boa parte de minhas energias, e que precisa ser domesticada senão leva tudo.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

(Devaneio): Limites e Continuidades

Free image from http://www.sxc.hu/photo/284517 by verzerk

O que define a infelicidade de alguém, ou, pensando positivamente, o que define sua felicidade?

É possível identificarmos esses pontos, onde se pode vislumbrar a felicidade ou não de uma determinada pessoa? 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

(Devaneio): Deve ser e como é

Free image from http://www.sxc.hu/photo/458523 by jimpetr
Até ontem estava super animado e, a onisciência que por acaso me seguia, certamente julgaria que, se houvesse um post hoje, ele seria sobre o assunto "sonho" e trataria de mostrar alguns habitats belíssimos que pesquisei em Vancouver.

Mas, não é assim. Sobretudo porque, quanto mais alto o salto, maior é a queda. E hoje acordei-me com muitas escoriações e algumas fraturas expostas, mas não irei apresenta-las, logicamente.


Porém, um evento, e não vou dizer qual, fez-me pensar em duas coisas que se intercambiam em minha vida atual.

A primeira coisa é a motivação para que eu, tão insistentemente e mesmo sabendo da quase impossibilidade, insisto tanto em jogos de loteria. Enfim, é claro que a motivação óbvia é o desejo de ganhar. Mas, busco aqui o espírito por trás disso, e há uma lógica que faz-me sentir impulsionado para essas tentativas.


Sim, notei que há pessoas que já nascem com um bilhete premiado na mão. Não digo de milionários de berço, porque não jogo para tornar-me milionário (muitos sabem de minha intenção de, em uma eventualidade de ganhar um prêmio colossal, ficar somente com o necessário e doar todo o resto. Assim, o farei.).


Falo das pessoas que, por sorte, nasceram em famílias bem estruturadas, de médio padrão, mas em ascensão,que podem desfrutar de uma boa moradia, bem localizada e confortável, de uma boa escola, de bons atendimentos de saúde, de lazer variados, como clubes e chácaras e casas de vovó e titias, etc. Enfim, no meu conceito amplo, tais pessoas nasceram com um bilhete premiado na mão. Podem, no transcorrer de suas vidas, se desfazerem de tal oportunidade, mas, enquanto outros guiarem seus passos, ele sorverá desse beneficio.


Tais pessoas não precisam se preocupar em obter o que pretendo ao jogar em loterias. Eles já o tem desde o principio.


E há pessoas, e aí me incluo, que não tiveram tal sorte. Mas, havendo justiça na causalidade, havendo parâmetros no caos (ora, todos nossos econometristas julgam que há, pois senão abandonariam de vez suas carreiras e seus modelos estatísticos), então creio que tenho muitas chances de ser contemplado com tal ventura. O problema é que, com a demora de tal definição, acabarei por ter muito pouco tempo para utilizar.


Mas, também gostaria de comentar algo sobre uma questão existencial que muito me aflige também. 


É a tristeza de estar inserido em um meio em que as pessoas não vivem a vida como ela é, em uma definição Nelson Rodrigues, mas sim a vida como deveria ser. 


E qual a diferença?


A vida como ela é deve ser algo intangível, diferente do que o nome induz a pensar. Esse "como ela é" não é revestido de realidade, pois, ao tentar se impor como verdade, torna-se uma tremenda bazófia, pois não existe isso. Ou torna-se uma elegia, mais lamentosa ainda do que se espera. Ou torna-se uma apologia ao pessimismo e à desconfiança. Enfim, falar-se da vida como ela é, é falso e até imbecil. Não deve haver uma "vida como ela é".


A vida como ela deve ser é um ideal metrificado e palpável.  É algo tangível e pode ser visualizado pela maioria das pessoas. É quando se faz planos e os executamos. É quando contemplamos conquistas e interrupções. É quando saudamos cada manhã e temos um mapa traçado em nossa mente de como haverá de ser o dia.


Mas, eu vivo a vida como ela é, no estilo Nelson Rodrigues, uma maçaroca de problemas que não tenho por onde começar a desenrolar. Paradoxal, mas as pessoas que convivo lado a lado vivem a vida como ele deve ser, onde as conturbações de filho, cônjuge,  pai, mãe, irmãos se compensam ou coexistem naturalmente.


Não é esse meu caso.


Por isso resolvi afastar-me, pois a minha "vida como ela é" deixava atordoados meus próximos. Não havia como entenderem, pois trata-se de uma realidade não descortinada aos tais, enquanto vivem suas vidas "como ela deve ser". Afastei-me, principalmente para que não fosse incubado com o mal da inveja, coisa pegajosa e mal cheirosa, que empesteia o ar por onde passa e que mata primeira e essencialmente o seu portador. Não quero assim.


terça-feira, 15 de outubro de 2013

(Citações): Pimentas, de Rubens Alves (2)

Free imagen from http://www.sxc.hu/photo/1387158 by natalie_31

Meus poucos momentos de liberdade eu gasto aqui, não somente escrevendo essas coisas, mas aqui, neste ambiente, onde posso ficar "a ver navios", onde posso ver sem visto, observar sem ser observado, porém sem esconder-me.

Assim deve ser.

Hoje, pensava que gastaria esse minguado tempo procurando mais informações sobre meu sonho de mudança radical, principalmente bisbilhotando a rotina daqueles que pra lá se foram e gostam de apresentar sua experiência.

Tais momentos eu ainda não os compartilho.

Mas, lembrei-me de um ou dois parágrafos do livro do Rubem Alves, que serviu de inspiração ao meu post anterior.

Não é comum retomar um mesmo assunto, ainda mais na sequência.

Mas, é que... Bem tem um trecho que eu preciso deixar aqui, mesmo me expondo a violar algum direito autoral. 

Espero que não.

Trata-se de uma de suas crônicas ou contos, que ele chama de "O prazer nosso de cada dia dá-nos hoje...". Trago aqui o finalzinho do conto, que resume sua ideia  principalmente a respeito de reencarnação.

Quero deixar claro que não a defendo, apesar de achá-la surreal e original. Não havia pensado no assunto nesses termos e creio que é impossível opinar claramente a respeito estando em nosso estado atual, respirando, comendo, cheirando, tocando, sorvendo, fazendo sexo e outras coisas mais, que impedem qualquer julgamento sobre a experiência em uma outra existência. Mesmo quando alguns (com a autoridade de um Chico Xavier) nos apresentam o mundo espiritual, pretensamente como seria, fica difícil realmente sentir qualquer atração por ele, nesse estado corporal. 

Não nesse momento.

O que não quer dizer que eu o refuto.

Vai o trecho:

"Pois saiba você que eu acredito muito na reencarnação. Faz muito tempo anunciei a minha conversão num artigo de nome esquisito: 'oãçanracneeR". Reencarnação ao contrário: não de trás para diante mas de diante para trás. O futuro não me interessa. Eu nunca o vivi por isso não posso amá-lo. Não quero ir para o céu: o tempo infinito deve ser um tédio insuportável. E o mais terrível é não ter saída. O céu me dá claustrofobia. Além do que não quero evoluir. Muitas coisas não podem e não devem evoluir: saíras de sete cores, riachinhos, ipês floridos, a Nona sinfonia, uma preta jabuticaba...

O que seria uma jabuticaba evoluída?  Uma jabuticaba cúbica? Uma jabuticaba florida e perfumada e, depois, coberta de esferas negras brilhantes e túrgidas depois da chuva - esse objeto é divino, sem passado e sem futuro, presente puro destinado à eternidade. Não posso imaginar que alguma evolução lhe possa ser acrescentada. O que eu quero é não evoluir. O que eu quero é viver de novo o passado que vivi, com muito mais intensidade, sem os sentimentos de culpa com que minha religião aprisionou meu corpo, as minhas idéias, e os meus sentimentos... Tenho tristeza dos pecados que não cometi... Eram pecados tão inocentes...

Assim, quando já são poucas as jabuticabas na minha tigela, rezo o meu Pai-Nosso herético - ou erótico: 'O prazer nosso de cada dia dá-nos hoje...'."

terça-feira, 8 de outubro de 2013

(Citações): Pimentas, de Rubens Alves

Free image on http://www.sxc.hu/photo/1339876 by muffet1
Escolher o que incluir aqui como citações para obras de Rubens Alves é uma tarefa difícil.
 
Sim, porque cada página de seus livros poderiam render, não somente uma, mas várias citações que bem seriam colocadas aqui, e teriam enorme aproveitamento.

Mas, na medida do possível, tentarei restringir os pensamentos que mais me chamaram a atenção nesse seu livro que, a rigor, comecei a ler ontem (Pimentas, Rubens Alves, Editora Planeta, 2012).

Assim, caso conclua esta postagem por hoje ou amanhã, ou ainda quando estiver em suas últimas páginas, com certeza perderei muitas e muitas outras filosofias emanadas da mente do professor. Logicamente, sempre poderei complementar a postagem com outras citações, e o farei com certeza.

Já em um dos primeiros contos, chamado "Filosofia de gato"(página 14), encontramos:

"Camus observou que o que caracteriza os seres humanos é a sua recusa a serem o que são. Eles não estão felizes com o que são. Querem ser outros, diferentes."

Na sequência continua (páginas 14-15):

"Desejos são perturbações na tranquilidade da alma. Ter um desejo é estar infeliz: falta-me alguma coisa, por isso desejo... Mas para meu gato nada falta. Ele é um ser completo. Por isso pode se entregar ao calor do momento presente sem desejar nada. E esse 'entregar-se ao momento presente sem desejar nada' tem o nome de preguiça. Preguiça é a pura virtude dos seres que estão em paz com a vida."

Sensacional, como não poderia deixar de ser. Mas, tenho uma outra possibilidade de intepretação às divagações do mestre.

De fato, a meu ver, a frase de Camus, ou seja, essa recusa humana em ser o que é, é a nossa consciência. É um resumo da única coisa que diferencia os seres humanos das outras criaturas. A consciência é isso mesmo. Ao percebermos nossa limitação e nos recursamos a conformar com isso é que passamos a ter consciência.

É por isso que a consciência humana (racionalmente) se recusa a acreditar em Deus, e temos que fazer uso de outros mecanismos para poder crer. E isso ocorre desde os tempos bíblicos. E o motivo é que, quando Moisés perguntou a Deus, do alto Monte da Promessa, qual era o seu nome Ele simplesmente disse: "Eu sou o que sou", [ou eu sou o que mostrarei ser], aludindo ao fato de que Ele é o que é e o que precisa ser, coisa que está além da consciência humana que se recusa a ser o que é e por isso não chega a ser o que precisa ser. Esse é o atributo humano mais profundo de verdade, nunca foi a inteligência, pois, pouco mais ou pouco menos, os animais também são inteligentes.

No entanto, como Rubens Alves demonstra com seu gato, não há necessidade dos animais em mudar suas "pessoas", suas condições. Os animais são o que são em quaisquer circunstâncias [diferente, logicamente, de Deus, que é que é, no sentido de mostrar o que deve ser, quando precisa ser].

Há também ênfase de Rubem Alves quando trata da idílica condição felina, a justificar que a preguiça é uma virtude, antes de ser um pecado,como apregoa a Igreja Católica. Nesse ponto eu concordo, mas somente em sua abordagem, nunca como uma apologia a preguiçosos contumazes.

Um pouco depois encontramos alguns comentários seus sobre a razão da loucura, encontrada em muitos gênios (página 27):

"Imagine mais, que a beleza seja tão grande que o hardware não as comporte e se arrebente de emoção! Pois foi isso que aconteceu àquelas pessoas que citei no principio: a musica que saia do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou."

Belíssima analogia. Talvez seja isso mesmo. O software de tais pessoas é tão sofisticado, tão além da conta, que não é comportado pelo pobre hardware ainda disponível a eles (e a nós também). Assim, esse conflito permeia toda a sua vida tornando-os disfuncionais para a nossa realidade. Seria como tentar rodar um Windows 8 em uma antiga máquina PC-XT da década de 1980. Sem chance!

E outra inserção teológica (página 33):

"Por que Deus criou o Inferno, isso eu não sei. Sei que não foi o Diabo, porque Deus, sendo onipotente, não permitiria que o Diabo tivesse tais poderes."

Aqui Rubem Alves, que também é teólogo, joga verde para colher maduro. Ele sabe uma boa resposta a essas perguntas e deseja somente instigar. A resposta seria: Não há inferno, porque não haveria motivos para Deus criá-lo e, ao mesmo tempo, não poderia permitir que outra divindade antagônica, mas inferior o fizesse, porque não há necessidade disso.

E poderíamos finalizar discorrendo sobre a semelhança entre o céu e a nossa vida atual (páginas 62 e 63), quando diz que a Adélia Prazo assim os comparava: "O céu será igualzinho a essa vida, menos uma coisa: o medo...".

Rubem Alves concorda, mas acrescenta a dor como algo que não pode existir no céu, se fosse para merecer tal nome. E eu acho que é assim também e por um motivo: No "céu" não existe a máxima do mutatis mutandis, ou seja, mudando o que precisa ser mudado. Por lá nada precisa mudar, pois são as mudanças que causam dor e medo. Sendo o "céu" um paraíso então não há mudança possível, nem necessária, logo não há dor ou medo, causados pelas sempre necessárias mudanças em nosso corpo, em nosso ânimo ou em nossos desejos.

Mas, temos mais. Temos uma pequena nota à página 79: "As pessoas são aquilo que amam"

Exato. Sem palavras.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

(Mini-crônica): Atrapalhação

free photo on http://www.morguefile.com by wmclair

Nem sabia como contar o ocorrido.

É atrapalhada como ninguém. Por quantas vezes já brigou com seu namorado por conta disso?

Sabe-se lá. Dúzias de vezes. Na verdade, tinha muitas dúvidas sobre o motivo de ainda se manterem juntos se a sua principal característica era essa (ao menos em seu pensamento, pois não se dava conta de "sua" principal característica de fato, endeusada por seu namorado, a saber, sua beleza. Essa sim, era o que enlaçava seu amor e o impedia de sair de perto dela).

A verdade era que andava bem tranquila naquele dia. Pensamento solto, cabelos ao vento, aproveitando os últimos raios de um outono totalmente descaracterizado por sua quentura. Mas, estávamos em meados de junho e o inverno reclamava o seu espaço no calendário, já tendo chegado ao sul do país.

Talvez por que aumentasse muito para si mesma a importância dos incidentes em que se via metida, não se dava conta do estontear que provocava em cada lugar que passava. Não percebia que boa parte dos tantos problemas era justamente advindo dessa turbação de pensamentos e vistas a que se viam atingidos homens (e muitas mulheres) que a cercavam.

E não poderia ser diferente neste início de tarde, ainda quente, mas com uma leve brisa outonal.

Estava bem adiantada à entrevista no estágio. Marcou esse compromisso há um mês e quase não dormiu na sua expectativa, dia 19 de junho. Repassou todas as dicas de professores e amigos, simulou a entrevista com o namorado, que, por ser 3 anos mais velho, já havia passado por aquela mesma entrevista anos antes.

Tudo estava em conformidade. Usou sua roupa mais discreta. A calça social mais folgada possivel, a blusa mais solta, a maquiagem mais leve. Os cabelos deixou solto, depois de inumeras tentativas de mante-los presos.

Resolveu parar em uma cafeteria próxima. Para tomar um chá que a acalmasse. Nem pensar café, que comprometeria seu hálito e a deixaria inquieta.

Claro que, atrás dela, sutilmente, quase que de repente, formou-se um pequeno séquito de admiradores. Alguns até entraram na cafeteria, Ficaram bisbilhotando o local, mas foram embora. Um deles, mais obstinado, resolveu pagar para poder contemplar melhor aquele belo espécime feminino. Resolveu tomar um cafezinho a duas mesas da dela. Nada especial, apenas sucumbiu a um acesso de leve voyeurismo.

Foi quando, de repente, sem nenhum aviso aparente, ela levantou-se. Subitamente para todos, menos para ela, que sempre justificava tais arroubos com uma lembrança repentina e, assim que seu cérebro dava conta de tal lembrança, acionava pernas e braços e punha-os a agir.

Dessa vez lembrou-se que estava com vontade de fazer xixi. A tensão pela entrevista quase havia retirado tal necessidade, mas ao sentar e colocar o chá na boca, novamente sobreveio tal questão fisiológica, que passou, em questão de décimos de segundo, de simples lembrança a necessidade premente, quase vital.

Ele, que a admirava como uma flor que acabara de cair da árvore a um passo de distância, e via o cair leve e delicado dessa flor, ao sabor do vento mais do que da gravidade, assustou-se sobremaneira com o súbito pulo dela, a ponto de deixar cair a xícara de café no colo, com todo seu conteúdo ainda intacto, o que o fez soltar um berro, dirigido não à xícara ou ao seu acidente, mas à bizarrice do pulo dela:

- Caramba. O que aconteceu aqui?

Ela, preocupada em cumprir com seu desejo fisiológico, nem percebeu o grito ou o apuro por que passava o moço da mesa ao lado, tentando refrescar suas partes pudendas e o problema da mancha bem naquele lugar. Enfim, mesmo com dores e ardências, pensava ele, mereço isso, quem mandou parar aqui somente para admirar uma mulher?

Quando ela voltou do banheiro, mais aliviada, também não notou que o moço do acidente não estava mais por ali, apenas observou que faltava pouco tempo para a entrevista. Por sorte o chá já estava morno e pode tomá-lo quase de uma vez e sair rapidamente, não sem pisar no pé de outra pessoa que aguardava ser atendido na fila do caixa, este sim o único acidente que julgava haver cometido naquele dia.

Quando chegou ao imenso prédio onde passaria pela entrevista, resolveu antes fazer um minuto de meditação a fim de entrar tranquilizada e não agir de sobressalto em nada. Apagou de sua mente tudo que pudesse lhe atrapalhar.

A secretária do gerente que a entrevistaria pediu para aguardar um pouco, pois o gerente estava atrasado do almoço, mas chegaria em alguns minutos, o que, de fato, ocorreu.

Chegou um homem apressado, aparentando quase 40 anos e bem alto. Entrou sem nem olhar para ela. Apenas explicou à secretária que teve de passar rapidamente em uma loja das proximidades e comprar uma calça, pois havia derramado café na outra. Sem maiores explicações entrou em sua sala pedindo um café para a secretária.

Um ou dois minutos depois a secretária sai da sala do gerente e a autoriza entrar.

Mesmo com todo o nervosismo da situação, ela procura agir calmamente e se dirige à porta.

Nesse momento, ainda confabulando-se sobre o incidente, sobretudo quanto ao fato de nos meter em situações constrangedoras desnecessariamente, o gerente vê sua porta se abrir e quem entra é, nada mais nada menos, que a beldade, a flor que virá cair suavemente há pouco e que causou sua queimadura na coxa.

O susto foi tão grande que levantou-se de supetão, esquecendo-se a xícara ainda cheia na mão. Dessa vez o grito foi ainda maior e ainda mais incompreensível para ela.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

(Citações): Risíveis Amores, de Milan Kundera

Free image in http://www.sxc.hu by eqphotolog
Faço aqui alguns parenteses sobre trechos de livros que leio, nos quais encontros frases ou parágrafos com ideias que, de uma forma ou de outra, um pouco mais, um pouco menos, eu também advogo ou  acredito ser válidas também para mim ou para o meio em que vivo.

Ou, pelo menos, considero-os insights, belas tiradas do autor. E eu, no melhor estilo "como não fui eu que fiz", quero apenas mostrar, muito mais para que não caia no meu esquecimento, como quase tudo que um dia entrou em minha mente.

Atualmente leio uma edição popular (barata) do livro "Risíveis Amores" do Milan Kundera (Companhia das Letras, 2012, tradução da versão francesa de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca). Não me sinto capaz de fazer qualquer resenha sobre o livro, quanto mais falar do autor. Até esse momento, havia lido, há cerca de 15 ou 20 anos (não lembro), o seu livro mais famoso no Brasil, "A Insustentável Leveza do Ser", e comecei a ler "A Arte do Romance", sendo que esse ultimo não consegui terminar, por considerar demasiado teórico e erudito para mim.

Então vou ao primeiro trecho que achei muito bom (pág. 11):


"Atravessamos o presente de olhos vendados, mal podemos pressentir ou adivinhar o que estamos vivendo. Só mais tarde, quando a venda é retirada e examinamos o passado, percebemos o que vivemos e compreendemos o sentido do que passou."


De fato, é isso mesmo. Somos todos cegos no presente, em nenhum momento podemos ter total confiança no que fazemos ou no que deixamos de fazer. Além de cegos, somos guiados e guiamos outros cegos. É impossível vislumbrar em nossas atitudes diárias, aquela que nos levará a um precipício em poucos instantes, ou a que nos guiará para um mar de delícias em algum momento. 

Nunca saberemos totalmente. Agimos na confiança. Ou na esperança de que o chão estará no lugar que julgamos estar, de que a esquina estará ali, de que o outro cego, que porventura vier em nossa direção, pressentirá nossa presença e se afastará ou vice-versa.

A sorte é que nos guia. Seu império é uma situação generalizada. Todos temos a mesma cegueira temporal e ninguém pode se valer de sua pretensa suficiência em seu único benefício.

Logo, não há necessidade de sermos tão exigentes em nossas ações ou em seus erros. Ora, são atitudes praticadas por um cego. Se acertamos foi pura sorte, por mais pretensamente científica que possa ter sido nossa decisão. A sorte é que nos guia na verdade. Se erramos, não deve haver recriminações, pois é isso que se espera de um cego andando em uma rua movimentada, ou seja, que enfie a testa em um poste ou que seja atropelado ao atravessar uma rua.

Será que foi tirado de nós esse sexto sentido? Um especial sentido de tempo, um sensor que detecte as tênues mudanças na dimensão tempo e nos forneça prognósticos. Ou nunca tivemos tal capacidade? Fomos extirpados ou esse item não foi acrescido em nosso desenho básico?

Tenho outro ponto que acho pertinente (pág. 73):


"Até inventara, para seu próprio uso, um método original de autopersuasão: repetia para si mesma que todo ser humano ao nascer recebe um corpo entre milhões de outros corpos pronto para o uso, como se lhe fosse atribuída uma moradia semelhante a milhões de outras num imenso prédio; que o corpo é, portanto, uma coisa fortuita e impessoal; nada mais que um artigo emprestado e de confecção."


Genial. É uma excelente alegoria sobre a presença da alma como algo que sublima do corpo, como algo atemporal ou definitivo. 

Quem sabe não seja isso mesmo! A natureza dispõe de bilhões de invólucros a serem utilizados, ou dispõe da fórmula de constituí-los, que será utilizada a cada vez que necessitamos de uma nova roupa, dependendo da ocasião a que fomos designados. Nosso corpo real permanece o mesmo, mas, dependendo da roupa, ou casca, podemos ter nossa atuação modificada.

Ora, um soldado em uma armadura medieval teria atuação diferente de um astronauta em um traje espacial. Não se pode dizer que uma veste é melhor que a outra, pois depende para que trabalho o seu usuário foi designado. 

Sendo assim, tal traje, de fato, não nos pertence, mas àquele que nos emprestou, que o levará quando acabar nossa missão, reciclando-o. Afinal, esse é um tipo de instrumento que se presta somente a uma única utilização.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

(Sonho): Ultima chance

free image in http://www.sxc.hu/photo/1155777 by ischerer

Até o momento tenho falado sobre os problemas que podem  impedir a realização de meu desejo de morar fora do Brasil, e viver uma realidade melhor, pelo menos que a do nosso país.

Tenho falado de questões financeiras, questões de logística, questões de emprego, questões pessoais e até psicológicas. Cada uma a seu tempo, cada uma em sua intensidade podem jogar um caminhão de areia nas minhas pretensões.

Assim, realmente é muito difícil que eu consiga tal empreitada.

Mas, o que me move, o que me faz, ainda assim, querer fazer? Ou, o que me faz ainda considerar isso um sonho?

A resposta mais acertada seria um tremendo: "Sei lá"!

Porém, como qualquer ser humano, busco motivos para tudo, e aqui não seria diferente. Alguns já até falei, que é a busca de um lugar seguro, despreocupado de assassinatos e roubos, um lugar onde as coisas funcionem, onde as pessoas se respeitem e são respeitadas, onde as pessoas são conscientes de seu papel na comunidade, um lugar limpo, um lugar que seja, ao mesmo tempo, urbano e clean e com natureza próxima, com árvores, parques, serviços públicos úteis e funcionais. 

Isso tudo, dessa forma, existe? Talvez sim. Porque não em Vancouver, no Canadá? Podia ser em outras tantas cidades, mas acho que lá encontraria a síntese dessas aspirações. Não que seja o paraíso na Terra, e também nem busco tanta perfeição.

A partir daqui teria de entrar em todos os problemas para me refugiar por lá. Mas, já tratei dessas questões em outros posts, e talvez volte a elas no futuro.

O que eu queria acrescentar nesse post é a razão final de minha vontade de emigrar, de meu desejo de sair daqui.

Sim, porque sempre haverá razões manifestas e razões escondidas. E creio que são as últimas que realmente impulsionam os desejos e validam as forças que são levantadas para realizar os grandes empreendimentos. Sim, porque, guardadas as proporções individuais, cada um sabe onde aperta o seu sapato, e o esforço que se fez para conseguir realizar um desejo.

A minha razão escondida, velada, não declarada é a necessidade de uma ultima chance de vitória. 

Isso mesmo, tenho 46 anos! Sinto-me velho! Sei que não, mas sinto-me. Infelizmente!

Nesse momento de minha vida posso me gabar unicamente de uma coisa: Sou um sobrevivente.

De onde eu vim, o que eu passei, as pouquíssimas oportunidades que me foram oferecidas, os exemplos a que fui submetido, eu posso dizer que sobrevivi a furiosas tempestades e avalanches, e a marasmos também, quando nada de relevante poderia acontecer.

A situação que encontro-me hoje é realmente a de um sobrevivente. Um náufrago, que conseguiu chegar a uma ilhota que oferece tudo de básico para sua sobrevivência. Árvores, pequeno lago, coqueiros, mar, sim há tudo que se precisa para não morrer de fome, sede, frio ou calor. E este náufrago conseguiu isso depois de nadar e boiar por quilômetros e, às vezes por sorte, às vezes por inteligência, não ser devorado por tubarões.

Assim, o que mais poderia reclamar? Na concepção de alguns, poderia se considerar um vitorioso. Na sua concepção, apenas um sobrevivente.

E é assim que me sinto. De tudo que me empenhei na vida realizei somente o suficiente para sobreviver. Em nada posso me chamar um vitorioso de mão cheia. A ninguém poderia oferecer consultoria sobre viver e vencer. Apenas viver e sobreviver.

A ida ao Canadá, ou qualquer outro lugar que signifique imigração, seria minha última (ou única) tentativa de vitória. Seria deixar minha pequena maloca, meus cocos, meus peixes, minha roupa de folhas de coqueiro, e, fazendo uma jangada rústica, sair ao mar (confiante em sua mansidão), pronto para vencer ou morrer.

É desse medo que tento fugir, e é pelo vislumbre do porvir que brilham meus olhos.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

(Mini-Ensaio): Conhecimento

free image from http://www.sxc.hu/photo/1088024 by asifthebes 

Gostaria de escrever algo sobre o conhecimento, ou como o entendo, como penso que o adquiro e como posso transmiti-lo.

Longe de mim a pretensão de esgotar o assunto. Meus próprios conhecimentos não chegam nem a arranhar a questão. E, a bem da verdade, sequer pude sistematizar isso em mim mesmo, quanto mais generalizar o assunto.


Dependendo a quem fizermos tal pergunta, poderíamos ter centenas de páginas escritas. Se perguntarmos a um scholar, como boa parte das pessoas que me rodeiam se identificam, precisaria de dúzias e dúzias de citações, fundamentações de autoridades, quadros e tabelas, e muitas e muitas divagações puramente quantitativas e roteiros e check lists de como proceder assim ou não-assim.


Há também todo um método que precisa ser obedecido. De qualquer forma o método é o mais importante. Fazer um estudo dito cientifico é, além de tudo, fazer uma receita de bolo. Precisa ser capaz de ser reproduzido.


Mas, não posso fazer assim, pois estou tentado divagar sobre o processo em mim mesmo ou seja, somente pode ser reproduzido por mim mesmo. A não ser que conseguissem isolar minha mente em algum laboratório.


Por outro lado, a uma pessoa simples, de pensamento prático e lida atarefada, obteríamos uma resposta advinda de sua experiência pessoal, como ele próprio adquiriu seus conhecimentos, aquilo que foi necessário para sua sobrevivência e de sua família, e como foi possível passar essa experiência por gerações, através de exemplos ou observações direta, através de erros e acertos, todos testados diretamente na prática. A refutação a uma premissa, nesse modelo simples e totalmente empírico, pode significar a própria morte do pesquisador.


E é aí que reside a beleza dessa forma de conhecimento. Não há um método, não há como contrapartes testarem sua validade, e nem precisa, afinal, a simples sobrevivência dos "pesquisadores" é sinal de que o método é eficaz. Pode não ser possível testar a sua eficiência, mas sua eficácia é e sempre será fato, enquanto houver propagação.



Diferente do que se possa imaginar, não estou aqui para refutar totalmente um ou outro discurso. Ambos tem sua validade, servem aos interesses de seu público e foram eficazes em trazer seus usuários até o presente momento. Se bem que sabemos que o saber popular é bem mais antigo e eficaz e, do ponto de vista escatológico, deve ser o predominante ao fim de tudo.


Também não pretendo inovar coisa alguma. Sou mais propenso ao pensamento tradicional pragmático, mas não poderia recusar totalmente o método científico-acadêmico.


Creio que o grande problema do método científico é privilegiar por demais os resultados, e jogar à indiferença os caminhos tortuosos que se trilharam, assim que lá se chegou. Ora, o caminho por vezes é a melhor parte da viagem, melhor até que o destino. Apesar disso, soando claramente como um contrassenso, há uma preocupação excessiva com o método. Uma apresentação científica geralmente gastará "90%" de seu tempo em demonstrar que se seguiram todos os ditames da norma científica, que foi analisado o modelo tal, pelo parâmetro tal, segundo aquilo que aquele ou aquele outro luminar da área recomendou. Assim, somente após esse longo discurso é que será aceita qualquer conclusão.


Ou seja, não é, de maneira nenhuma, uma metodologia de vida, é apenas um ritual. Vale para aqueles iniciados.Somente para esses.


Mas, não foi assim que chegamos até aqui. Não foi dessa forma que saímos de uma condição simiesca e passamos a ser humanos, passamos do nomadismo e da dependencia absoluta do que a natureza nos concedia, para podermos, até certo tempo, mudar a realidade que nos é apresentada e, até certo ponto, criar alternativas que naturalmente não existia. Chegamos até aqui muito mais pelo método da inferência pura e simples, o cientificamente abominável "achismo" foi muito mais util para os humanos do que o método científico. Aliás tenho sérias duvidas sobre o tipo de sociedade que chegaremos em uma pretensa exacerbação do método científico, quando não conseguirmos amoldar a realidade a uma fórmula matemática e assim ficarmos estagnados, achando estar no limiar, no topo do conhecimento.


Caminhamos para isso? Quando não soubermos mais fazer perguntas, ou quando acharmos que todas as respostas já foram encontradas.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

(Devaneio): Em 5 minutos

free image on http://www.sxc.hu by colombweb
Comprei um computador novo. Quando ele chegar, talvez não perca mais esses dez minutos que meu velho amigo demora para se aprontar e deixar-me utilizá-lo. Tempo que ele necessita para estar certo de que tudo está perfeito e que poderei prontamente espalhar as minhas ilusões e ainda que, ele próprio, não será o motivo, para que isto tudo soe assim, como não poderia deixar de ser, medíocre.
 
Com o novo, talvez perca somente cinco minutos.

E nos últimos cinco minutos. O que poderia ter feito? O que poderia estar fazendo, para além do que já fiz ou esteja a fazer?

Para além de meus desejos. De minhas aflições. Das angustias que carrego. O ganho desses cinco minutos me levaram a querer mais agilidade de meu computador. Sempre é possível ganhar mais cinco minutos adicionando mais memória, trocando um processador antigo, uma peça defasada. Mas, optei por aposentar o meu pequenino.

Mas, o que farei com esses cinco minutos?

Ficarei mais  um tempo com o olhar perdido, olhando pela imensa vidraça que está à minha frente, observado os pedrestes que passam, desejando cada bela mulher rebolante, odiando seus companheiros, desprezando os que aparentam felicidade, dando corda a essa meia inveja desprezível?

E, além disso, o que farei nos cinco minutos que ganharei?

Posso ficar orando. Posso ficar suplicando que venham idéias para escrever, tópicos para divagar, temas de interesse pessoal ou coletivo. Posso ficar imaginando o que seria se eu fosse um gênio da escrita.Um verdadeiro escriba. Cheio de estórias e história, com um passado repleto de conquistas intelectuais e com um mar de curiosidades a compartilhar. Talvez cinco minutos sejam necessários para eu mesmo acreditar nisso, pois, um produto precisa primeiro ser comprado por seus vendedores, para depois esses repassarem a seus clientes. Preciso então, em cinco minutos, providenciar a compra de  mim mesmo, cuidar da embalagem e do envio de minhas idéias até onde serão, de fato, utilizadas.

E o que mais? No que mais me aproveita os cinco minutos?


Há alternativas. Sim, até a mentes medíocres há alternativas de felicidade em cinco minutos. Aliás, quem sabe, mentes medíocres são muito mais felizes em cinco minutos do que suas congêneres geniais em um dia inteiro, pois, o vácuo, além de abrigar o nada, permite infinitas possibilidades. Um pote cheio é menos útil que um vazio.

Então, na minha mediocridade, posso cuidar para esvaziar o pouco que resta em minha de pretensa sapiência. Posso esvaziar minha mente e deixar-me vagar por seu vácuo...
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

(Excerto): Prostituição [de "Desconexos ou Sem Pé Nem Cabeça"]

free photo from http://www.sxc.hu/photo/1209684 by delarco

Prostituição


   Selene era uma moça sonhadora. Disso ninguém duvidava. De sonhos alimentava sua alma. Por vezes achava que seu próprio corpo era unicamente sustentado por isso. De ilusão passava as manhãs e fartava-se de pensamentos no almoço.
Ao final da tarde já estava novamente faminta, tendo gastado todas as suas reservas de esperança no transcorrer de dureza do seu dia. Recompunha seu estoque ao botar a cabeça no carcomido pedaço de espuma que chamava de travesseiro. Retornava então a seu mundo real de devaneios e experiências oníricas.
E sempre sonhava com o mesmo belo príncipe. Tão belo que sentia vontade de chorar ao vê-lo (e quase sempre chorava mesmo). Mas, chorava de felicidade, porque, nos sonhos, ele era somente dela, fora feito para ela e com ela viveria para sempre.
Era ele quem sempre afirmava isso.
Porém, a beleza era tamanha, que a amedrontava! Como pode o belo ser causa de tanto medo? E não era medinho sem explicação. Transmudava em pânico, muitas vezes. Ela o via e chorava copiosamente, sempre temendo que aquilo lhe escapasse pelos dedos, pois lhe parecia líquido.
A felicidade é fluída, a sentimos enquanto não nos escapa.
Passava a noite sonhando com ele. Semanas, meses e anos. Havia muita cumplicidade entre ambos em seu sonho, como se os dois sonhassem um com o outro, o mesmo sonho.
Mas, havia uma tristeza nesses sonhos, nesses pensamentos, nessas esperanças. Por mais real que fossem as sensações, havia uma certeza velada, uma verdade oculta, mas sabida. Essa coisa inexorável de que tudo aquilo nunca passaria disso mesmo, ou seja: Um sonho. Por isso a fuga, a cumplicidade, a sinceridade, que ela mantinha consigo mesma a esse respeito.
A fim de evitar se constranger, a fim de prevenir decepções, se mantinha fiel a si mesma, mais do que aos seus sonhos e ilusões. Eles eram somente alimento de sua alma. Frutos cultivados no único terreno que a pertencia. Aí os mantinha sempre frescos, pois a todo instante precisava de um. Quando menos pudessem esperar lá estava ela, se banqueteando de esperanças, de sonhos, de ilusões...
Mas, eis que a vida corre muito rápida, principalmente para uma menina que se alimenta de sonhos. Um dia se olhou no espelho e viu-se moça, e quando menos desejava, tornou-se uma mulher. E não uma mulher qualquer.
Os que a cercavam comemoraram esse desabrochar, uns por puro deleite de vê-la, outros por puro desejo de tê-la, e ainda outros por pura necessidade de usá-la, de forma pragmática.
Afinal, certamente, uma moça tão bela, nunca iria passar fome, e nem sua família. Decerto que não!
Por um tempo, Selene se traiu. Permitiu-se a tanto. Pensou em seguir seu príncipe, em entregar sua inocência a ele. Pois, por incrível que pareça, do nada, o tal príncipe havia se materializado. Estava ali. E se não foi, se não seguiu tal impulso, foi porque não lhe pediu, não lhe tentou, não lhe seduziu. Mas foi-se. O príncipe. Foi embora. Tão simples e repentinamente como surgiu.
Uma moça pobre como Selene não pode se iludir a ficar com moço tão formoso. Um príncipe afinal.
Então Selene optou pelo que lhe foi pedido. Por aquele que, de fato, a tentou, que a seduziu. E a ele se entregou. E lhe concedeu sua inocência, porque assim ainda era, embora com pouca vontade. Essa que, apesar de mínima, era suficiente para tão breves sentimentos, prazeres tão efêmeros.
E no começo foi assim. O fazia por questão de sobrevivência. Porque era o que esperavam dela. E o que mais poderia fazer para ajudar os seus? Por acaso poderia ser advogada, ou engenheira, ou médica. Talvez pensasse em ser professora, quem sabe? E talvez conseguisse, talvez pudesse ensinar sua trajetória de vida. Um dia, talvez!
E, no começo, os clientes eram gentis. E eram limpos, pelo menos. E faziam com cuidado, a pegavam com zelo, afastavam devagar suas coxas, se imiscuíam com cerimônia no vão deixado por suas pernas, apalpavam seu sexo como quem tem uma taça de cristal na mão, como se fosse um graal de sagrada delicadeza e raridade infinita.
E assim ela se parecia. Um bem precioso a ser usado com extrema parcimônia, a fim de mantê-la como que intocada, para um próximo uso.
E esse cuidado todo durou um tempo, não suficiente a ponto de achar que estava segura, definitiva, em um lugar seu.
Ela chegava bem cedo, se trocava e já partia para o ofício. No começo havia vários clientes. Todos marcados com antecedência, todos ávidos pela novidade. E vários poderiam ser rejeitados, alguns o eram, outros eram aceitos por pena. Quantas vezes aceitou somente por dó da tamanha alegria daquela pessoa ao vê-la desnuda.
Mas, poderia ser servida por quem lhe aprouvesse. Não que sentisse prazer. Não que esses escolhidos pagassem mais. Pelo contrário. Mas, sentia que sua situação, sua culpa, sua prostituição diminuísse um pouco se usasse a prerrogativa de recusar, por motivos pessoais, por motivos não necessariamente expostos, e, principalmente, nem sempre vinculados a quanto o sujeito pudesse lhe pagar.
E não é assim que agem as ditas mulheres de bem, ou as normais? Não abriam suas pernas e ofereciam sua vagina e demais orifícios a somente quem lhes aprouvesse. Talvez essas, ditas “mulheres de bem”, ponderassem uma relevância bem maior à parte financeira, fossem bem mais condescendentes, em relação a furtivas e obscuras ofertas em dinheiro ou bens ou serviços, do que Selene, a prostituta, no alvorecer, no desabrochar, no conquistar de sua vida profissional.
Sim, poderia se sentir bem menos prostituta ao agir assim.
Mas, com o tempo, sua vida foi se enchendo de necessidades, ora uma comida diferente, ora uma roupa diferente, ora uma moradia melhor, um carro, outro carro melhor e mais, e mais. E essa prerrogativa teve de ser posta de lado. E a questão financeira passou de relevante para crucial.
E, com isso, a prostituição ampla, geral e irrestrita tomou conta de sua existência. E a falta de prazer passou a ser regra, como única forma de sentir-se ainda limpa e imune.
Até que os clientes que sobraram, nessa busca de dinheiro e desprazer, eram os porcos que hoje a impregnam. Até que...
Até que decidiu: Já que tem de ser assim, então que se aguente um porco somente e retorne a meus sonhos, retorne a meu príncipe, a meus devaneios impossíveis.
E foi assim. Desde então, e até hoje. E assim será. E seu príncipe a visita desde então. Em seus sonhos. Nunca mais se materializou. Não mais. Onde andará? Será que ainda é tão belo quanto em seus sonhos? E se a encontrasse? Será que ainda se interessaria por suas pernas flácidas, suas nádegas encovadas e seus seios caídos? Ainda se lembraria do esplendor de Selene, em sua primeira e única aparição, quando ela transbordava leite e mel e seu suor era como perfume adocicado, e era como um banquete na visão de tristes e desolados caminhantes vindos de desertos escaldantes?
Aquela lembrança ainda poderia encantá-lo e, tomado por ela, ele a obrigaria a largar tudo e segui-lo. E ela, mesmo que com muito mais a perder do que antes, teria forças para assim fazer?
Melhor não. Melhor permanecer assim. Melhor continuar a atender os caprichos do seu porco, bendito e salvador. Aguentar seu corpo balofo, ensopado de suor, seu fedor, seu jeito grosseiro, suas mãos ásperas amassando o pouco de dureza que resta nas carnes de Selene. Afinal, sempre é por pouco tempo. Sempre haverá a esperança de que isso acabe. E depois...
Depois, Selene poderia continuar a sonhar tão-somente. Tão somente com seu príncipe. E voltaria a ter dezessete anos...
   Dezessete anos para sempre.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

(Devaneio): Desejo primevo

In http://hinata-hajime.deviantart.com

Peço pouca coisa. Ou quase nenhuma, dependendo do que você esperaria, dependendo do que você poderia, dependendo do que você gostaria de dar-me.

Peço acolhimento. Peço compreensão. Peço um ouvido (se acompanhado do restante de você. Muito melhor!).

O teu colo onde possa repousar minha cabeça. Escutar teu coração, tua respiração. Sentir o calor de tua pele. Repousar na maciez de teus seios.

Peço que compreenda meu desejo por ti, desde que te vi, entrando por aquela porta. Poderia sentar-te em qualquer lugar, mas resolve sentar aqui, ao meu lado. Sendo assim, posso pedir-te.

Não tenho dúvidas que posso.

Peço permissão para te olhar. Não que já não tenha notado, desde o começo, tudo o que me interessava de fato. Mas agora, interesso-me por mais. Muito mais ainda quero olhar. Quero sorver os detalhes. Quero saber: Até onde, somente por ver-te, poderei aplacar o meu desejo?

Não quero falar, mas quero que perceba. Perceba isso tudo. Perceba os anos que me trouxeram até aqui, neste lugar, naquele momento que te vi entrar, e o que acende em mim o desejo.

Há toda uma história por trás. Uma pequena parte eu conheço. Vinte anos eu conheço. Pouco ao se considerar que tudo deve ter começado a centenas, senão milhares de anos atrás. É meu desejo primevo.

Desejo de uma fase inocente da minha alma. Desejo de criança antiga, maltrapilha, faminta, analfabeta e selvagem, mas que sabia querer, e sabia que queria você. Há anos!

E de tanto querer-te em dezenas e dezenas de rostos e corpos, e nunca conseguindo, acabou por metamorfosear todos os rostos semelhantes em você. Você passou a ser todos os rostos que te assemelham, sem que eu nunca mais visse o modelo que a originou.

E costumo tecer pensamentos brincantes, como se fora possível. Pensamentos que apenas servem para quantificar o meu desejo. Para provar que te desejo antes de qualquer coisa. Troco coisas e pessoas sabidamente mais valiosas e belas, sem nenhum arrependimento, troco-as, todas juntas, por um breve período ao teu lado. Gosto de brincar com tais permutas, mesmo sabendo que nada disso me pertence e que não as posso dispor. Talvez por isso as troque com tanta prontidão.

E é assim que funciona nos momentos de solidão. Naqueles breves instantes que somente minha consciência pode me penalizar, somente eu mesmo posso saber dessas loucas vozes, dessas loucas permutas, dessas insanas vontades.

A cada novo dia, mais desejo por tais momentos e a cada novo dia os tenho menos para mim. Como não poderia deixar de ser, aumenta a raridade, aumenta o valor. E quanto mais os tolhem de mim, mais os quero em minha rotina.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

(Sonho): Desencaixando a crise existencial

free image from http://www.sxc.hu by mzacha's

No post anterior eu disse que havia questões existenciais que também impediam ou, pelo menos, atrapalhavam minha ida ao Canadá. Como se não fosse pouco todo o resto de coisas que possam minar esse desejo!

Eu queria tratar desse assunto bem depois. Talvez nunca. Minha esperança, quem sabe, era que fosse solucionado por si só, dado a sua aparente insignificância. Talvez o problema, pensando como se fosse um ser autônomo, percebesse o quão desnecessário, o quão apragmático (perdoem o neologismo) ou o quão não solucionável é. E assim, talvez por vergonha, talvez por preguiça, talvez por conformismo, minha psique o anulasse.

E me parecia isso, no momento que escrevia aquele post.

Mas, não continua assim. E passaram-se o que, uma, duas semanas?

Hoje, neste momento, a questão existencial pessoal é o maior entrave à minha felicidade em terras estrangeiras e distantes.

O mal reside na seguinte pergunta sem resposta: "O que eu busco indo morar no Canadá?" E, por via de consequência: "O que eu conseguirei?"

São essenciais essas perguntas porque, aqui no Brasil, eu tenho um bom emprego, moro em um bom local, tenho uma boa assistência de saúde, como bem, durmo bem, tenho 30 dias de férias anuais, que eu separo em duas etapas, e, nos últimos anos, viajo (dentro do país) nos dois períodos. O que mais poderia pedir em termos de bem-estar?

A violência? Bem, ela existe, e assisto diariamente novidades a seu respeito, piores a cada dia. Mas, nem eu, nem minha esposa, filho ou filha, passamos diretamente pelo problema. Nunca tivemos alguma experiência traumática nesse sentido, embora familiares próximos o tenham passado, inclusive um tendo levado um tiro em assalto a banco.

Mas, isso é suficiente para querer largar o resto?

Sim e não, depende quem responderá a pergunta! Mas, têm a sujeira e a desorganização das cidades brasileiras, que me deixam atordoado. Tem a corrupção endêmica, em todas as áreas e classes, desde o mais simples brasileiro, até o mais poderoso, todos aceitamos, muito ou pouco; ou participamos, muito ou pouco; de uma mentalidade que aceita a corrupção. Isso também deixa-me transtornado.

Sim, esses motivos seriam bom o bastante para querer sair daqui, mesmo que nunca tenha sido prejudicado diretamente por tal status quo.

Mas, agora, quando essa crise existencial se aflora em minha alma, vejo-me naquelas ruas limpas, ensolaradas (sei que nem sempre) e organizadas de Vancouver. Vejo-me ali, andando por ali, sentindo aquela brisa, aquela segurança, aquela organização toda. Mas, não percebo nenhuma felicidade em meu coração.

De fato, ando pelo GoogleMaps pelas ruas de Vancouver. Por várias. Por ruas movimentadas, por ruas residenciais, por ruas próximas a praias, por ruas próximas a parques, ruas com pessoas, ruas desertas, ruas comerciais,... Em todas elas sinto em em meu peito o que não poderia sentir quem deseja migrar. Sinto um não-pertencer imenso. Não sinto o normal medo do desconhecido. Não sinto nem medo por não falar inglês, por não ter a quem recorrer em uma emergência. Isso até seria por demais normal, e penso que posso contar com apoio da assistência pública, nem que seja para levar ao aeroporto e despachar-me ao Brasil.

Porém, não é aí que reside o perigo. Preciso encontrar a felicidade dessas ruas, a felicidade desse povo, a felicidade dessas casas e dessas vistas, mais que a felicidade de trabalhar e manter-me por lá, problema ulterior, a questão é achar a felicidade da vida em Vancouver, ou sei lá aonde a ideia possa me levar.

Esse então é o problema básico, que vem antes que os demais. Não se trata do maior problema, mas é o primevo. Talvez ainda mais que o problema, também "insolucionável", sobre o que farei quanto a meu filho se e quando estiver fora do país com ânimo duradouro, questão a ser tratada em outro post.

Como disse inicialmente, como tal problema existencial talvez não tenha solução por enquanto, vou me preocupando com os demais entraves que podem, já de antemão, nem permitir a ida para o Canadá e, aí sim, a questão existencial pode passar absolutamente para a irrelevância.