quinta-feira, 24 de maio de 2012

(Devaneio): Estático


O que posso fazer para voltar a escrever? Para retomar minha ilusão, voltar àquilo que parecia tanto comigo, à qual me fundia como uma tábua de salvação?

Ou devo buscar outra, já que minha ilha de naufrago não aparece e essa tábua já não me parece mais tão segura? Ainda não vislumbro meus coqueiros ao longe, meu pedaço de terra seca. Tenho de continuar flutuando a esmo, ao sabor das ondas, sem saber o que me aguarda além do horizonte.

E no momento é isso. Deixo-me ir, já que não há outra opção, embora sinta que já tenha passado por perto do barco de minha salvação, em um dia de intenso nevoeiro. O barco que iria trazer-me de volta à civilização. Talvez tenha passado aqui por perto e, diante de sua grandesa e de minha pequenesa, nós dois tenhamos confundido um ao outro, passando-nos despercebidos. Talvez?
 
Talvez o que me falte são novos olhos, diferentes desses que carrego desde o nascimento, que me levaram até onde cheguei. Olhos de um corpo diferente, olhos que buscam outra realidade, acostumados a outro tipo de luz. De uma sensibilidade diferente, que enxergam além do reflexo da luz cotidiana nos objetos, mas que intensifique o interior, arremedo de um raio-x.
 
Quem sabe já tenha tais olhos e, por não usá-los, estão atrofiados. Como então trazer suas imagens à minha consciência, já que o que eles apresentam nem saberia descrever? Talvez nem seja para utilizar, mas apenas usufruir. Ou então, como minha consciência poderá ir a esse lugar de mim, já que o problema talvez seja a localização?

Aquilo que está muito dentro não pode saltar para fora impunemente, sob pena de descaracterização. Então eu é que deveria ir lá, para dentro de mim, como uma estrela que condensa, até que um evento catalisador abrupto a transforma em supernova, que ao despencar dentro de si própria, expulsa violentamente tudo que lhe sobeja, ficando somente com sua raiz, que a caracteriza ao fim, única coisa que pode perpetuá-la.
 
Enfim, devo voltar àquilo que sei, embora não imaginasse que soubesse, mas que, quando conhecer, perceberei de imediato e direi: "Tem razão, é isso mesmo, e eu já sabia a todo momento!"



segunda-feira, 14 de maio de 2012

(Mini-Ensaio): Só o prazer será punido?



Li uma frase do Rubem Alves, na orelha frontal de um de seus livros, que me instigou o pensamento. Não irei dizer o nome do livro por agora, pois é uma fonte tão grande de ensinamentos, que desejo (assumindo minha avareza em relação a isso) guarda-lo, por enquanto, somente para mim (como se milhares de pessoas já não o conhecessem!), mesmo porque ainda o estou lendo e me falta entende-lo e sorve-lo por completo. Quando houver sugado sua seiva, apresentarei sua carcaça que, por se autorregenerar, poderá ser sorvida novamente por muitos outros.

A frase assim dizia: “Será que Deus fica feliz quando vê os seres humanos sofrendo?”

Tal pensamento resume toda uma teologia que advogo para mim, embora, após anos de aprendizagem contrária, ainda me vejo impossibilitado de a colocar em prática, na melhor tradução do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

É isso. Ou seja, porque Deus seria feliz com o sofrimento humano? Ou, Deus necessita de nosso sofrimento? Ou, se Deus é amor, então o amor se alimenta de lágrimas e dores? Ou,...

Teria muitos questionamentos a fazer se a primeira pergunta obtivesse resposta afirmativa. São indagações que nos remete a uma imagem contraditória da divindade que sempre julgamos ser um poço de bondades. Principalmente porque nunca associaríamos dores e sofrimentos à ideia de bondade.

A pergunta inicial ocorre (como a própria orelha do livro do Rubem Alves nos diz) quando observamos que, quando desejamos ou necessitamos de algo que somente Deus nos pode conceder, sempre prometemos em troca algo que nos é difícil, caro ou penoso fazer ou conceder, atitude que nunca faríamos ou tentaríamos fazer em condições normais.

Ocorre que, em regras comerciais, uma troca somente se dá quando as partes intercambiam coisas que ambas julgam de igual intensidade de prazer ou felicidade. Então, para meu prazer e felicidade eu compro um carro e dou em troca uma quantia monetária que proporcionará um pequeno grau de prazer e felicidade em um grande número de pessoas (vendedor, dono da loja, fabricante do veículo, operários que o fabrica, etc.) o qual, se somados, equivalem ao meu prazer e felicidade ao comprar o carro. E é assim que se operam os relacionamentos humanos legítimos (excluindo-se os de dominação pela força, logicamente).

Então, se para nos conceder um favor, Deus nos exige uma dor ou perda, é justo pensar que Deus se apraz disso na mesma intensidade com que nos aprazeria receber o favor!

Os crentes e religiosos incondicionais teriam uma simples explicação para tal. Eles apenas nos dizem que não temos conhecimento dos verdadeiros desígnios de Deus, que não se apraz com nosso sofrimento, mas vê muito à frente e sabe que a nossa decisão de se abster de um prazer nos trará benefícios no futuro. Assim, sem sabermos estamos obtendo dois benefícios com uma só atitude.

Mas, porque somente nossas atitudes prazerosas poderiam gerar problemas futuros? Porque o abandono de algo que já causa desconforto não poderia ser utilizado como moeda de troca?

Por exemplo, por que não “prometo abandonar esse emprego que odeio se o Senhor me conceder a cura dessa gastrite que tanto me incomoda”, ao invés de “prometo parar de sair às noites de sexta com os amigos se o Senhor me conceder a cura dessa gastrite que tanto me incomoda”?

E quem nos fez pensar que o que nos dá prazer é profano e ruim, sempre, e somente a dor e o sofrimento nos levam para próximo da divindade?

Penso que foram pessoas com algum grau de psicose, pessoas com baixa autoestima e com significativo complexo de inferioridade, mas com grande capacidade de convencimento de massas, os quais, principalmente em momentos de carestia, conseguiram tirar seus grupos de situações de penúria ou extermínio galopante com pensamentos e atitudes austeras, frugais e proibitivas.

Como a humanidade passou por mais momentos de penúria do que de fartura, é fácil saber por que a ideia do prazer é tida como destrutiva e má, e o pensamento de austeridade é visto como edificante e pio.

E foi tal pensamento que conduziu a igreja Católica a instituir o seu rol de pecados, mesmo que Jesus afirmasse que a única coisa a que nos deveríamos obrigar seria amar ao próximo como a nós mesmos.

Esse post irá possibilitar que eu possa falar sobre esses pretensos pecados e porque os tais talvez não devessem ser considerados tão abomináveis.