quinta-feira, 14 de agosto de 2014

(Pensamentos e Elucubrações): A virtude pelo vício?!

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A virtude e o vício, duas questões antagônicas.

Mas, o que é o vício e o que se denomina como virtude?

Podemos diretamente sempre relacionar à virtude, o bem, e ao vício, o mal?


Então podemos dizer, sempre, que o virtuoso é bondoso e o viciado, maldoso?

É tão fácil tal segregação? Pode-se fazer um corte longitudinal nas emoções humanas e separar aquilo que é virtude e aquilo que é vício?

Permitam-me algumas digressões.

E no local onde passarmos a espada desse corte, a carne que fica de um lado e do outro, não estaria impregnada, a bondade pela maldade, e a maldade por sua contraparte, a qual até pouco tempo a ela se associava tão fraternalmente?

Dentre tantos conceitos filosóficos sobre a virtude e o vício achei um que resume muito, mas que, dada sua simplicidade (afinal o céu pertence aos simples, não é isso?) é a que melhor expressa tais ideias.

Nesse conceito, grosso modo, temos o seguinte enunciado: Há virtude quando se consegue prazer depois da dor e há vício quando se consegue dor depois do prazer, sendo que o resultado seguinte deve ser sempre mais duradouro que o seu antecessor.

Assim, podemos notar como é difícil a prática de tal separação, pensando exógenamente à psique humana, se fosse possível.

Então, na virtude e no vício há, tanto prazer como dor. É claro para nós que, uma mente sã, quererá sempre maximizar seu tempo de prazer e diminuir o período de dor. Seria lógico dizer que a busca pela virtude, haja vista começar com a dor, tende a ser postergada, pois se estamos no prazer conquistado pela dor anterior, porque quereríamos novo período de dor?

Ao mesmo tempo, se o prazer do vício é tão efêmero, então, no momento de dor, logicamente que quereremos encerrá-lo com urgência reiniciando nova rodada curta de prazer. Assim, o vício é uma atitude que tende a se autoperpetuar rapidamente.

Agora, porque damos o sentido de bondade a um e o sentido de maldade ao outro? Ambos buscam a mesma coisa, tanto o virtuoso como o viciado desejam preservar ao máximo seus momentos de prazer.

Apenas achamos que a virtude é melhor porque pensamos que não existe, ou não pode existir, um estoque inesgotável de prazer, nem um represamento eterno de dores. Então, não há quantidades suficientes de prazeres que possam ser perseguidas indefinidamente pelo vício. Em determinado momento, o caminhão de dores irá cair sobre o viciado, de um jeito ou de outro, fato que, frequentemente, se torna uma pena capital imposta a ele. Ao mesmo tempo, mesmo os prazeres obtidos pela virtude são fugazes. Porém, pelo menos, o virtuoso não acumula débitos, pois todos eles já foram saldados previamente pelos dolorosos momentos que precederam o prazer.

É uma visão pessimista que trazemos de longa data, de longas adversidades, de fomes, doenças, perdas, desastres. Aqueles que sobreviviam a tais situações, tinham todo o direito de pensar-se virtuosos, portanto merecedores do prazer pós fome, pós peste, pós terremoto, pós tempestade. Os que se foram? Bem, talvez tenham pago pelo seu vício, assim já tinham recebido seu galardão.

Então, quem sabe, na raiz do que chamamos de virtude, talvez não encontremos tanta bondade como pensávamos inicialmente, mas somente resiliência.

E no vício, é possível uma virtude pelo vício?

Do vicio como algo escravizante, como uma droga que inutiliza a pessoa e o torna para todo o sempre escravo desse desejo? Em tal medida, com tais sentimentos e tais atitudes, fica difícil, senão impossível, retirarmos a poeira da situação e obtermos algum lustro por baixo, nem que seja tênue e fadado a se empoeirar novamente em pouco tempo.

Mas, e se nos atermos apenas à ideia básica, a que nos informa do binômio dor-prazer e sua inevitabilidade? Talvez localizemos algo de aproveitável no momento do prazer, até no que seja excessivo, ou mesmo na dor e na sua intersecção com o prazer, quando se encerra a consciência dessa e se inicia o lento e inexorável processo de dor que caracteriza o vício.

Tomemos como exemplo uma prática simplória de prazer viciante que se reveste tão somente do olhar, do observar um objeto de adoração, sem outras pretensões. O mal está em não anunciar-se, de ser furtivo, ou seja roubar sem que o atingido se dê conta de imediato do que lhe foi subtraído. O prazer está em atender a esse desejo, no tempo que for possível. A dor está ao final, em perder de vista o objeto da adoração, ou em não poder observá-lo sempre que se quer, ou mesmo em ser descoberto. Vejam que não falo aqui de perversões ou crimes, mas apenas de hábitos com consequências pessoais exclusivamente psicológicas.

E onde obtemos virtude desse ato?

Quem sabe em uma poesia, ou em uma pintura, ou em uma ideia pratica sobre como melhor focalizar detalhes. Existem as tais dores que se iniciam após o prazer, mas que gerarão novos prazeres futuros.

Então pode-se obter virtude do vício. Com certeza que sim. E, quem sabe, a dor gerada pelo vício possa sempre ser trabalhada em produtos, sensoriais ou não, que gerem virtudes ao viciado ou aos que o cercam? Quem sabe não deveria ser essa a abordagem de tratamento a viciados, no sentido de ajudá-lo a, por um lado, controlar seus próprios sentimentos em relação ao vício, elevando sua autoestima, e, por outro lado, talvez combater ou, pelo menos, mitigar a relação de dependência do viciado, quando ele descobrir outras formas de atingir o prazer.

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