quarta-feira, 28 de maio de 2014

(Literatura - Comentários e sugestões): Páginas Sem Glória, Contos / Novela de Sérgio Sant'Anna

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Terminei recentemente a leitura do livro de contos de Sérgio Sant'Anna, "Páginas Sem Glória" (Companhia das Letras, 2012).

A rigor, não se trata de um livro de contos, mas de dois contos e uma novela, como se refere a si mesmo, ou de três novelas, se considerar-se o tamanho e densidade dos dois primeiros contos, "Entre as linhas" e "O milagre de Jesus", 21 e 43 páginas, respectivamente.



As estórias se passam no Rio de Janeiro e as descrições de locais da capital fluminense fazem parte do encanto, principalmente na novela que dá título ao livro.

O primeiro conto/novela (Entre as linhas) trata-se do desfiar da análise crítica de um livro ainda não publicado, feita por uma amiga do autor, a seu pedido. A mulher mata a pau o coitado do escritor e sua obra, faz um rapa geral nos escritos, toma para si não só a função unicamente opinativa, mas de co-ação, desejando ela mesma inserir-se no contexto da obra, participando da ação e da elaboração de cenários e personagens, e mais ainda, deseja conhecer a própria psique do autor (veladamente sua paixão?), procurando mensagens subliminares em cenas e enredos.

Ou, mais provável, a amiga é o próprio autor (da obra fictícia), que conhece a si mesmo mais do que ninguém, e mistura a sua obra com a própria vida, próprios motivos e  psicoses, inadvertidamente introduzidas no livro, sem que ninguém percebesse, a não ser ele mesmo e, mesmo assim, somente com a releitura minuciosa feita por seu arquétipo feminino.

Esse primeiro conto é então extremamente original, pois o autor introduz uma crítica a um livro de outro escritor e se confunde, ele mesmo, com a crítica, o criticado e sua obra, de tal forma que a própria estória já se torna irrelevante.

O segundo conto (O Milagre de Jesus) é mais longo e tradicional, se assemelha mais realmente a uma pequena novela. Conta o encontro de um mendigo, chamado Jesus, com uma pessoa que assim o encarou como ao próprio profeta.

Aqui não posso contar muito, pois, sendo uma estória tradicional, qualquer coisa dita a mais põe a perder o todo. Porém, é de se elogiar a formar que o autor apresenta o personagem principal, o mendigo Jesus, como se fora (en passant) um corcunda de Notre Dame, embora sua única discrepância social fosse a mendicância. Como em Hugo, temos um padre desonesto e aproveitador, que, ao invés de acolhê-lo, rouba-o.

Temos até um corcunda, mulher nesse caso, que também é uma vitima do sistema e do preconceito, sendo a pessoa que recebe o "milagre", diretamente da boca do Jesus mendigo, e uma sucessão de coincidências; uma terrível, de onde ninguém poderia imaginar algo de bom; mas, quando combinada com outra, da mesma forma inesperada, pôde transformar a vida de uma pessoa que, de outra forma, nada esperaria de bom de sua condição.

E, finalmente, chegamos à verdadeira novela, "Páginas sem glória", com 101 páginas, que ocupa a maior parte do livro. Trata-se do acompanhamento da carreira de um jogador do futebol carioca, oriundo das areias de Copacabana e descoberto por olheiros da década de 50. Conta como foi levado ao Fluminense, e como, por sua própria culpa, em vista de incorrigível caráter boêmio, decaiu para times de menor destaque do Rio de Janeiro. 

Zé Augusto, o "Conde", poderia se tornar um nome de referência no futebol da época, mas sua liberdade falou mais alto e, após eventos obscuros, foi afastado em definitivo do mundo dos campos.

É uma excelente estória, envolvente, alegre, mas perde em dramaticidade ao segundo conto e em originalidade ao primeiro. Juntar tudo isso em um volume só, pequeno, com somente 178 páginas é proeza digna de mestre.

É diversão do começo ao fim. Sérgio Sant'anna, Recomendado.




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