terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

(Devaneios): Canos e fluídos podem ser felizes?

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Desejos, o que são, como serão? Será que adianta tê-los, se não for para saciá-los?

Nesse momento sinto dores. Dores na perna. Quais serão as causas dessa dor em minha vida?

Diabetes? Reflexos da hérnia de disco? Problemas circulatórios na perna?

Não sei. Tenho apenas vislumbres desses motivos, pois, na verdade mesmo, o que importa são os efeitos, as consequências. A partir delas, posso até desejar uma causa ou outra.


Melhor ainda, posso pensar ou desejar o que não quero que as tenha causado. Sei que não quero que sejam sintomas de diabetes. Na verdade, o que me aterroriza é qualquer coisa relacionada a problemas circulatórios, por me parecerem os mais terríveis problemas e empecilhos à vida.

A questão é que, na minha visão do que é a estrutura de nossa vida e de um corpo vivo, somos (todos nós seres vivos, bactérias ou seres humanos) basicamente uma sucessão de canos e fluidos circulando nesses canos, só isso, em qualquer instância. Muda somente o calibre do cano e a viscosidade do fluido. Quem nos fez assim foi, respeitosamente falando, o encanador divino, o melhor de todos, e deve haver uma lógica ou uma profunda filosofia ou teologia nisso tudo. Então, será que deveria existir uma teologia dos canos?!

Dessa forma, algo que dificulte a circulação dos fluídos ou que diminua a sua qualidade (dos fluidos) é, com certeza, a principal causa de inviabilidade de vida.

Reside aí meu medo de problemas circulatórios e diabetes. No caso específico de minha perna, temo pelo que possa culminar, ou seja, a sua perda. E, no limite, perda até de minha vida, precedida por tormentosos e intermináveis momentos.

Não quero desejar morrer como livramento de meu sofrimento. Não quero estar tão ensandecido de dor que esqueça de meus filhos, figuras que mais precisam de mim no momento (meu filho, mesmo sem saber, minha filha, com certeza que sabe).

Se um suplício me for necessário, como pagamento de saldo negativo desta vida (ou até de outras, cujo existência não faço nem ideia), peço então a opção de reflexos da minha hérnia de disco.

Que seja isso. Que seja princípio de perda de sensibilidade dessa perna. Que ela até fique imóvel, como pena final dos males que causei, se for esse o caso. Mas eu ainda poderei acompanhar o desenvolvimento de meus filhos. Eu ainda poderei estar ativo e posso dar conselhos ou pitacos na vida de ambos. Poderão ver-me e sentir que ali, naquela massa de restos de canos e fluidos, está seu pai e, quem sabe, ainda encontrem esperança de apoio. Ainda haverá um pequeno poste onde possam amarrar seus cavalos e descansar um pouco. Especificamente, que meu filho ganhe mais tempo e oportunidade de vir falar comigo ou aceitar a minha aproximação.

Sim, essa alternativa eu peço a quem possa decidir, a quem possa intervir nesse sentido. Eu peço, que aperte um pouco mais alguns canos, que substitua vedações aqui e ali, que afine ou engrosse esse ou aquele lubrificante, e assim me reste uns anos extras.

E quem sabe, em um futuro distante, quando já houver cumprido com o papel a que cabe a essa máquina, eu possa sair de circulação por dentro desses tubos e esperar dias melhores. 

Talvez momentos de puro prazer em uma outra vida, se a proposta espírita para a realidade da vida for a vencedora?

Assim desejo. Que em outra existência, em compensação a esta, possa sentir-me mais belo, mais forte, mais perspicaz e capaz. Mesmo que menos consciente da realidade de canos e fluidos a que nos resumimos. Só quero aproveitar das benesses concebidas a minha pessoa.

A quem irei mentir? A mim mesmo? Àqueles vigias obscuros de minha consciência, que porventura me ouvem e que me conhecem como a mim mesmo? Bobagem e perda de tempo.

Então, nessa nova oportunidade, poderia aproveitar os pequenos prazeres que minha nova condição proporcionasse. 

E canos e fluidos teriam uma função mais nobre, e o meu "eu" real (incrustado nessa tubulação toda) poderia realmente aproveitar a magistral criação e perguntar-se: "Verazmente, como tal concepção e design pode ser tão eficaz?"

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