segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

(Mini-Crônica): Ela pensou

Ela saiu do vagão.

O primeiro cheiro que veio foi acre, salgado, marinho. Parecia que estava entrando em um barco de pesca, o cheiro de mil matanças, o cheiro de vida se diluindo em água salgada. Pensou que ouviria logo as gaivotas voando por sobre sua cabeça.

Seu primeiro pensamento, "deve estar chovendo".

Depois conjecturou, "é o cheiro de proximidade de vida e morte, o cheiro de desilusão, quando se percebe o quanto se perdeu, e aparece o arrependimento e não há mais como voltar, quando as redes se fecham a nossa volta, e aquilo que nos sustinha é o que nos mata, e aquilo que respirávamos nos afoga, e aquilo que sorvíamos é o que nos envenena".

Andou mais um pouco, e o cheiro foi se diluindo, se misturando a outros aromas, apesar de ainda dominar por todos os lados.

E observou, "é aqui que devo parar, parar de reclamar, parar de encontrar problemas em tudo, parar de querer mudar tudo, querer adaptar as coisas a mim, aceitar melhor o que é e o que está, afinal se assim foi, é por que há um motivo, uma função. Lutar contra só trará tristeza e desgosto e desilusão."

Foi chegando à escada, e se aproximou de mais gente. Aqui o odor ainda permanecia e o que o estava trazendo não desejava ausentar.

E pode imaginar-se se tivesse escolhido outra vida, se fosse outra pessoa, se não tivesse ninguém que a esperava, ninguém que a desejava, ninguém que necessitasse dela. Poderia voltar para trás, poderia ir ver o mar agora, e sentir seu verdadeiro olor, sua brisa, suas gaivotas e seus pesqueiros. Mas não. Nada disso seria o mesmo.

Quando chegou no piso superior já sentia somente uma leve brisa, vinda de fora. Aqui não havia mais o cheiro, não havia mais nenhum aroma.

E pensou "seria assim, haveria somente o nada. Haveria somente o vazio. O quarto vazio, o carro vazio, o lado vazio. Não haveria alguém a chamá-la, a precisar de sua presença, a desejar sua perpetuação. Não haveria!"

Foi quando saiu da estação. E era somente a chuva. Somente. Grossas gotas caiam nos pedestres desavisados. Pingos retos, sem vento, inflexíveis, obstinados, não davam chance de fuga ao cidadão sem destino, e quanto mais indeciso, mais molhado. Aqui, a obstinação poderia valer uma calça seca.

Mas, era somente a chuva. Molhada. Tradicional. Simples. Resolvível com um guarda-chuva...

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