quarta-feira, 21 de março de 2012
(Mini-Ensaio): Espiritualidade
Penso que a ideia de espiritualidade não está diretamente ligada à religiosidade. Assim, muitos que gostam de se intitular de ateu, talvez possam rever essa posição, ao se verem livres das questões morais e de comportamento que embute o segundo conceito e não necessariamente o primeiro.
De fato, ser religioso é um comportamento moral e cultural. Está ligado a questões sociais, da longa formação histórica de uma comunidade. É como se expressou para essa comunidade a visão de espiritualidade de uma pessoa ou de um grupo, consagradamente dominante naquela comunidade.
Assim, todos os participantes dessa comunidade, e aqueles que desejassem participar ou se relacionar com ela, para facilitar essa inserção, tiveram que professar essa fé e se submeter a esse padrão de comportamento a que se chamou de doutrina de fé, ou doutrina religiosa.
Nos tempos passados das modernas sociedades, e mesmo recentemente em sociedades conservadoras, a não aceitação ou submissão a essa doutrina religiosa provocou, inicialmente, a excomunhão dos membros revoltosos dos cultos e encontros religiosos, e depois do próprio seio da comunidade e até da família. Essa apostasia foi traumática, vide, por exemplo, a Inquisição Espanhola, sendo que esse comportamento ainda persevera nos dias atuais em algumas sociedades.
Tal trauma persegue a consciência de muitos que se consideram ateus hoje em dia, como se a formulação e execução das perseguições tivessem sido engendradas pela própria divindade, logo, não se pode crer em tal coisa. Ou então, alguns ateus julgam que a existência das perseguições religiosas é fruto da essência da fé religiosa e, enquanto essa fé existir, haverá, por consequência, os perseguidores. Sendo assim, a fé em uma divindade é a motivadora de tanto sofrimento àqueles que não querem se subjugar a tal entendimento.
Porém, a ideia de espiritualidade não é algo que somente existe dentro da religião. Poderíamos dizer que a espiritualidade é um gênero de atributo da consciência humana, assim como a criatividade ou a memória. A religiosidade poderia ser uma espécie de como se revela essa espiritualidade, ou seja, é um subproduto cultural não necessário de nossa consciência de espiritualidade.
Pela espiritualidade nos sentimos participantes de um corpo maior, primeiramente junto com os demais seres humanos, depois com os demais seres vivos de nosso planeta e finalmente com toda espécie de coisas inanimadas do planeta e universo. Em diversos níveis de percepção, ao sentirmos essa interligação e simbiose com o cosmo, passamos a abstrair a necessidade de uma ordem formadora disso tudo, que o constituiu e o mantém coeso, mesmo que tenhamos total livre arbítrio. Ou seja, deve existir um sistema de pesos e contrapesos que acerta o comportamento de todos com o fito de manter uno o tecido que vivemos.
O problema é que nós humanos gostamos de nominar tudo, pois isso nos dá segurança e familiaridade. Então, a esse sistema criador e regulador, as religiões chamam de deus ou deuses ou santos, e atribui regras de comportamentos aceitáveis para quem os nominou, jogando a tabu todo o resto.
Se entendermos que a espiritualidade é a conscientização dessa unicidade e que isso é parte de um processo extremamente inteligente de observação e abstração, mais empírico do que muitos conceitos científico-matemáticos podem sê-lo, muitos ateus poderiam se ver livres de suas amarras e ser mais felizes com seus sentimentos, reconhecendo-os através desse recém-aberto canal da espiritualidade.
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