Vejo-o andando à minha frente. Passa por mim, talvez disfarçando que nunca me viu ou conheceu, e talvez não conheça mesmo. Vê-me. Quase todos os dias. Mas não conhece. Qual andar eu desço, as tarefas que desempenho, a minha importância no tecido que molda aquilo que nos sustenta. Será que um rasgo do meu lado o afetaria?
Se sim, ele não faz idéia. Mas, se soubesse de mim, com certeza, diria que nem sentiria a lufada de ar vinda de meu rasgo, quanto mais qualquer outro tipo de afetação àquilo que ele chamaria de real objetivo disso tudo que nos emprega, a saber, o que os tantos iguais a ele se dedicam, a saber, os ditames vindos de além-mar, a saber, as boas práticas ditadas pelos expertos.
Dias de estudo sobre normas e regulamentos orientadores, traçados em frias tarde da Suiça, tendo à mesa aqueles julgados como mais importantes luminares da indústria. Teóricos da função, da probabilidade, da curva, do vértice, do discreto, do contínuo, do aleatório e seus caminhos. Esses, traçam seus pensamentos, determinam o grau de virtuosidade de uma comportamento, de uma idéia, somente pela própria camisa-de-força que criaram, e tentam colocar sob essa camisa de força aquilo que julgam racional e importante para uma imensa multidão de pessoas instaladas em seus países.
Procuram, em um raciocínio circular, justificar-se pela função, pela probabilidade, pela curva, pelo vértice, pelo discreto, pelo contínuo, pelo aleatório e seus caminhos, de que não existe tal camisa-de-força, que não houve determinação alguma imbuída dos antagonismos subjetivos ou que não houve somente um espelhamento da racionalidade forjada e válida temporária e circunstancialmente somente, talvez, para aquela imensa multidão de pessoas instaladas em seu seus países.
Porém, meu amigo que passa não está aqui para julgar isso. Não lhe oprime essa ideia. E nem deve. Em sua pastinha ficarão os seus cabelos, perdidos em muitos momentos de discussão do assunto, em como os luminares chegaram à essa, àquela ou àquela outra conclusão e tratar de guardar a ideia dentro de si, como se fosse sua, para se sentir também um luminar, mesmo que apenas se aproprie temporariamente da luz de outro, mesmo que, na verdade, nem um nem outro, tenham domínio sob tal luz, ou mesmo que exista a luz, e assim estariam como loucos, cegos sendo guiados por cegos, à beira de um precipício.
Como se mostrou recentemente, alguns lá cairão.
No entanto, eu tenho precisão desse amigo. Preciso dele, e a recíproca não é verdadeira. É fato (quanto à minha precisão). E é a certeza de que ele se sacrificará sem saber, de que ele dedicará todos seus neurônios a somente um assunto, que me proporciona segurança. Sei da importância do pedaço roto de tecido ao qual me apoio, mas a maioria da estrutura não sabe (para mim, basta um indefectível ajuste de pé e pesos e contrapesos, para não rasgar o tecido abaixo de mim). Sei que, a garantia tácita dada por esse meu amigo, a saber, que ele e tantos outros pensarão naquilo tudo, é importante para que os de fora suponham que, somente com isso, tudo está garantido, ou que foi graças a isso que tudo ainda está garantido.
Quem sou eu para destruir essa ilusão. Como um sobrevivente, me resta somente esperar pelo socorro.
Então. Segue amigo. Em seu passo firme. Ansioso para rever suas anotações, seus cálculos, suas conferências, suas decifrações. Segue amigo, ajuda-me a aguardar meu barco de socorro.
Obrigado.
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