Ilusão
de alguém, que se pretende passar por um deus, e fantasiar e transformar em
realidade tal fantasia, mais que somente uma fuga.
A fuga
é o nosso encontro. Quem sabe, de onde me perco você possa achar algo. Você mal
sabe o que te angustia, o que te atormenta. Não pensa nisso. Não deseja ter por
perto a minha imagem, que possa te lembrar o encontro, de ti, de mim, das
coisas.
Tormento
para você é ter que dar explicações. Explicações que não saiba dar, nem onde
encontrar, ou se existem, pois você vive ao sabor da tempestade, sem nada pedir-lhe,
senão que não pare, pois, enquanto o vento soprar, você se mantém suspenso e
não precisa pousar e ver a destruição que a tormenta causou.
Enquanto
estiver nos ares, pode refugiar-se nas brumas, no véu de nuvens e até receber um
ou outro estilhaço no corpo, nada que o prejudique muito.
Mas, e
nós que ficamos nesse chão liquefeito, abaixo da linha das tormentas? E nós que
temos que contabilizar as destruições a cada vez que o vento resolver revolver
nossos despojos? E nós que a todo o momento, quando o silvo do
vento cessa, pensamos que o véu de nuvens irá se esvair e pensamos que,
finalmente, nosso sol se mostrará, e baixamos a guarda e vamos para a rua, para
recebermos nova lufada de desgraça e termos que refazer aquilo que sequer foi
refeito, depois da ultima destruição?
E nós,
o que esperamos?
Esperamos
ter de novo a alegria de outros dias, quando ainda achávamos que o problema não
era sério, quando nos achávamos protegidos por nossa dignidade, eleitos que
fomos para tão importante e respeitoso mister? Esperamos ter outra vez o que
nos foi roubado, a nossa alegria, a nossa fantasia, a nossa esperança,
A
nossa ilusão?
O Albatroz
Sou
então o ilusor ou o iludido? A quem pretendia que me seguisse, que me fosse meu
albatroz, eu, na verdade tornei-me o teu. Sou o perseguidor, sou aquele que
traz angustia e sofrimento.
Não
seria assim, não deveria, pelo menos. Não deveria ser por tal caminho que eu
encontraria minha felicidade. Não poderia ser dessa forma que eu reteria aquela
parte de minha vida destinada à preparação.
Preparação
para o meu albatroz, pois sou peixe cansado das profundezas e estou agora na
superfície, estagnado, com pouquíssimo movimento, presa fácil.
Mas,
antes do bico salvador e redentor, que irá transportar-me a outras
oportunidades, no ultimo piscar de olhos, quando enxergava a luz embaçada da
manhã, e quando via ao longe um despencar de algo branco em minha direção, ao
reabrir os olhos, vejo-me agora em outra vastidão, não mais líquida, não mais
bruxuleante de raios de sol, mas transparente, e agitada, vejo-me em penas e
bicos e asas.
O
susto foi tão grande que despenquei das alturas, caindo no muro fluído que
ocupava toda parte de baixo dessa nova existência.
Agora
não sabia mais como sair dali. Olhei apenas para o peixe que me encarava
espantado, talvez não acreditando no que via, ou na sorte que tinha ao ter como
predador tão atrapalhada criatura. E não quis dar segunda chance ao azar,
entrando nas profundezas, fazendo-me sentir como se uma parte de mim se
ausentasse de repente.
Nunca
mais vi aquele ser.
Mas,
tinha outras preocupações. Como sair daquele estado deplorável e retorcido. Coisa
fácil, pois, ao abrir as asas e por-me em pé, repentinamente, meu corpo assumiu
as funções. Reconheceu-se por si só e, de uma só vez, alcei vôo. Passei a ser
um espírito alado, passei a estar em uma posição que não me pertencia, passei a
ir a lugares que antes não queria ir.
Tornei-me meu e teu
albatroz.
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