quarta-feira, 4 de abril de 2012

(Mini-Crônica): Leite Derramado, de Chico Buarque de Holanda



Não foi o último livro que li. Depois dele ainda veio "O lobo da estepe" e "Sonhos de uma flauta e outros contos", ambos do Hermann Hesse, e estou lendo um do Carlos Heitor Cony, "A tarde de sua ausência".
 
Então não foi o último, mas poderia dizer que foi o último melhor. Estou falando de "Leite Derramado", do Chico Buarque (Cia. das Letras, 2009). A começar pela capa, que segue a reformulação nos demais livros do Chico (Estorvo, Benjamim e Budapeste). Grande sacada, ao colocar na capa o início da estória.

Tal início é muito bom e instigante, de prender o leitor. Assim, ninguém precisará abrir e ler a primeira página para uma avaliação preliminar. Ela já estará na capa. E já saberemos que é um sonhador quem relata a estória, um homem que deseja reviver o passado, que deseja refazer uma vida, repensar decisões, que está em busca de um momento de ruptura.
 
E é isso o livro inteiro. Uma pessoa em busca do momento de ruptura em sua felicidade. Como pode uma vida ter se partido e quem a vive não sabe o que e como ocorreu? Como pode um espavento tão grande acontecer sem sequer um aviso? Sem uma chance de recolhimento. Sem um "fujam para as montanhas". Não aconteceu como em um tsunami, com o recolhimento do mar, o vento forte, a entrada das águas iniciais, forte, mas não mortificante, para depois vir a devastação e ceifar quem ainda não conseguiu fugir.
 
Não, tudo precisou ser deduzido a posteriori, depois da devastação.
 
E assim é o livro, um chorar sobre o leite derramado. E assim é a vida do pobre protagonista, que nos conta a sua história. De forma conturbada, pois se trata de um idoso avançado, embora não totalmente senil, mas em uma cama de hospital, submetido a cuidados duvidosos em um sórdido hospital público.
 
Mesmo nessa masmorra ele continua a sonhar e a imaginar a causa de sua desgraça inicial, quando tudo que lhe era caro desmorona, e, a partir daí, vive em um eterno desmoronar. Nada mais permanece de pé em sua vida.
 
A estória é contada em primeira pessoa, é o próprio velho que conta, de acordo com suas lembranças e sentimentos, como elas lhe vêm à mente, por vezes repetindo eventos. Desfilam por lá toda uma miríade de personagens, de sua vida pessoal, de personalidades públicas, de desconhecidos, de relacionamentos. Acessoriamente, temos o pano de fundo da vida em tempos passados e das paisagens do Rio de Janeiro antigo.
 
Mas isso é somente pano de fundo. A temática é a decadência de uma vida que não consegue se recompor, que nunca conseguiu, que permanece sempre a chorar por algo que o incapacitou.

De fato, é impossível repor o leite no copo.


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